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Contos de Donavan Liadon – Capítulo 2 – A vila misteriosa

Conto narrado pelo escriba Donovan Liadon (bardo meio elfo, seguidor de Ohgma – Jogador Antônio Ricarti – estudante do 3º ano do ensino médio do curso integrado em informática)

Aventura do dia 12 de abril de 2017 no projeto RPG na escola, coordenado pelo professor Helltonn Winicius


Havíamos, eu e meus companheiros de viagem, acabado de comprar itens diversos de um gnomo no mínimo estranho. Assim que ele partiu com sua maleta mágica – e toda sua loja dentro dela – Seluné apareceu com dois pergaminhos de teletransporte. Enquanto partíamos em uma confusão de símbolos mágicos soprei a ela um beijo de despedida, ao qual ela respondeu com uma risada que me fez ganhar o dia.

No momento seguinte, lá estávamos nós, em um descampado com várias pedras cúbicas de tamanhos variados, ao nosso redor. Uma chuva forte assolava o lugar, raios e trovões cortavam os céus, como se o clima, de alguma forma, reverberasse o ocorrido no espaço-tempo. Ivellios, com seu olhar élfico extremamente aguçado, encontrou em meio as pedras um caderno de anotações com uma capa de couro desgastada e diversos rabiscos e gravuras, praticamente indecifráveis, em seu interior. Antes que pudéssemos examinar com atenção, todos escutamos gritos desesperados vindos da densa floresta e, saindo de lá, uma camponesa igualmente desesperada.

– Socorro, ele está atrás de mim – gritava com pavor a bela moça.

Em seguida, saindo da mata fechada, surgiu um Cavaleiro Sem Cabeça. O ser fantasmagórico era apenas uma armadura levemente translúcida, montado em um alazão espectral, e de dentro desta um espírito surgiu se elevando acima do Cavaleiro, tomando a forma de um triângulo com um grande olho no centro. O olho fitou cada um de nós e o cavaleiro sem cabeça avançou na direção da camponesa, tentando atacá-la.

Entretanto alguns de nós reagimos antes que o espectro e tratamos de lidar com a situação. Ivellios não hesitou em disparar uma flecha imbuída com sua magia da floresta e, assim que ergueu o arco para atirar contra o espectro, folhas começaram a circular a flecha que acertou o ombro do cavaleiro e com uma explosão de mais folhas o imobilizou. Porém o cavalo continuou seu galope e alcançou a camponesa, embora, graças aos deuses, o cavaleiro fosse incapaz de golpeá-la.

– A minha avó disse que nunca devíamos ferir uma fêmea! – Goik, o nosso draconato bárbaro, gritou em direção ao espectro.

Então seus olhos se encheram de raiva e ele entrou em um estado descontrolável de fúria combatente. Pude ver claramente a força de Goik, pois as veias em seus braços pulsavam em ira. Ele partiu em uma investida atroz contra o fantasma, a amplitude de seu golpe foi tamanha que antes mesmo de atingir o ser espectral abriu uma grande rachadura no solo, e ao fim golpeou o fantasma.

Não posso dizer se ele teve ou não ajuda divina, mas com certeza em algum plano superior algo havia causado alguma interferência, ao menos indireta.

Tomado de fúria, Goik, com um só golpe ascendente, partiu o cavaleiro sem cabeça ao meio. No momento em que o espectro se desfez um raio cortou os céus e em seguida pôde-se ouvir um forte trovão, parecia que o firmamento tempestuoso celebrava o golpe vigoroso do bárbaro.

– Nunca desrespeite uma fêmea – completou Goik encarando o olho do espectro que ainda estava em sua moldura triangular flutuando sobre nós.

A camponesa estava perplexa com aquilo e o encarava com gratidão. Eu mesmo estava abismado com aquilo, porém esperava que o olho também se desfizesse. Como isso não aconteceu, tomei minha própria atitude. Saquei minha lira, fitei-o por um instante enquanto lembrava de minha amada e entoei um cântico de combate. Assim que fiz isso ativei magicamente minhas habilidades de conjuração e suas cordas começaram a brilhar.

Ao fim de minha curta melodia fiz um último dedilhado que percorria todas as cordas de uma ponta a outra e, no fim do acorde, três setas mágicas rodopiantes foram disparadas de minha lira contra o Olho. Porém cometi um terrível engano, pois assim que as setas se aproximaram do olho espectral, sua íris desapareceu momentaneamente deixando apenas um triângulo preenchido por escuridão; meus mísseis mágicos foram sugados a um vazio, ressurgindo no instante seguinte em minha direção e me atingindo em cheio. Já tinha ouvido falar de efeitos contra-mágicos, mas até então nunca os sentira em minha própria pele.

Meu companheiro Ryu, o humano clérigo do deus-sol Lathander, espantou-se com a habilidade de redirecionar magias do triângulo flutuante, isso estava claro por sua expressão.

– Não usem magia contra ele! – gritei para alertar meus companheiros, embora acredito que já estivesse claro para todos.

– Ivellios me passe o livro – disse Ryu – Preciso checar uma coisa.

– Claro – respondeu o elfo lhe atirando o pequeno livro de capa de couro.

O clérigo encarou o livro por alguns instantes para então gritar:

– Acredito que o livro tenha alguma relação com o espectro.

Após dizer isso o clérigo se aproximou de mim e me mostrou os rabiscos para saber minha opinião, porém antes que pudesse analisar melhor o caderno, todos nós sentimos um vento gélido passar por nossas espinhas e vimos o cavaleiro junto de sua montaria ressurgir a alguns metros de distância.

Assim que o espectro reapareceu Joseph Joestar, o guerreiro humano de nosso grupo, avançou na direção do fantasma e o golpeou com sua potente espada mágica. A lâmina acertou em cheio, porém o espectro não pareceu se incomodar com o dano causado. Novamente, com seus reflexos rápidos, Ivellios agiu e tomando o livro do clérigo passou a tentar decifrá-lo. Como era evidente devido sua feição de frustração, nosso amigo elfo não fora bem-sucedido. Ele então recitou a mesma magia de antes e disparou outra seta contra o cavaleiro sem cabeça. Ela acertou ainda mais em cheio que a última e, em uma explosão verde o espectro mais uma vez se desfez, deixando apenas algumas vinhas no lugar, resultado da magia élfica de Ivellios.

Vendo que o Olho continuava a pairar sobre nossas cabeças, Goik, ainda injetado de fúria, saltou uma altura inacreditável e utilizando a gravidade ao seu favor, golpeou o olho com toda sua força.

– Isso não irá prestar – disse o guerreiro como que prevendo os acontecimentos.

Assim como aconteceu comigo a íris do olho espectral se fechou, deixando apenas um triângulo bidimensional com interior negro. No momento em que o machado tocou o triângulo, uma estranha energia começou a girar em torno do olho e, logo em seguida, toda a força aplicada pelo bárbaro em seu ataque foi devolvida em um enorme impacto assim que a íris ressurgiu. Com um belo corte em seu tórax o draconato caiu abaixo da aparição.

– Eu não queria ser indelicado, – disse à camponesa – mas teria como nos ajudar com alguma informação ou algo do tipo?

– O que gostaria de saber? – respondeu ela amedrontada com a situação – Sou apenas uma camponesa!

– Ah… por que motivo esse espectro estava te perseguindo mesmo? – indaguei tentando extrair alguma informação.

– Ele assombra a nossa vila constantemente – falou ela com a voz quase embargada.

– Entendo… nós iremos lhe ajudar, não se preocupe. – falei enquanto fazia uma mesura.

Quando me voltei para o caderno tentei lembrar de alguma informação útil que eu pudesse aplicar naquele momento, porém nada veio. Antes que eu pudesse me focar em minha tarefa, mais uma vez o espectro ressurgiu em sua montaria. Com um movimento rápido ele golpeou Joseph e lhe deixou um profundo corte com sua espada bastarda espectral. Ryu tentou mais uma vez analisar o conteúdo do livro, mas frustrado por não perceber nada começou a olhar para os lados.

Fitando as pedras cúbicas ao nosso redor ele pareceu notar algo e caminhou até elas, depois pude ver com clareza que se tratavam de símbolos arcanos. Como meu caro amigo não tinha instruções nas artes arcanas, ele não pôde fazer muito mais além de encarar as pedras. Mas no momento que o fez, como um sinal divino, um feixe de luz quebrou as nuvens de chuva carregadas e apontou para três pedras mais distantes.

– Bardo, venha aqui – disse Ryu – Rápido!

Em seguida fazendo uma prece a Lathander, seu deus, ele conjurou uma chama sagrada em direção do cavaleiro espectral que infelizmente desviou sem grandes problemas. Para nossa sorte, Joseph, deu um pequeno salto e golpeou o fantasma com sua espada, trespassando a criatura de cima a baixo, e mais uma vez o espectro sumiu. Ivellios então se aproximou de onde Ryu estava.

– Olhe essas três pedras – disse o clérigo – acho que tem algo relacionado com aquele desenho do caderno.

Então Ivellios pegou a menor pedra e lançou em direção ao triângulo. Quando ela se aproximou do olho espectral seus símbolos arcanos começaram a brilhar e foram atraídos para a base do triângulo flutuante.

O Bárbaro, vendo que a atitude do elfo surtiu algum efeito, correu em direção as pedras que Ryu apontava e, pegando a maior, arremessou-a com toda a sua força em direção aquela aparição. O mesmo efeito ocorreu e a pedra foi atraída para um dos lados do triângulo, ficando também suspenso no ar.

Quando consegui organizar meus pensamentos e analisar com calma os fatos eu tive uma percepção. Me lembrando de uma aula antiga que tive a respeito de símbolos arcanos consegui lembrar que o símbolo presente na pedra maior representava o número 10 e o símbolo na pedra menor representava o número 6.

Nesse momento também lembrei de uma aula específica que tive anos antes quando meu tutor me instruiu a respeito de cálculos matemáticos, uma ciência muito mais complicada que magia. Eu me lembrei das informações importantes, e aplicando mentalmente o teorema de Pitágoras, pude deduzir antes mesmo de olhar para a pedra que restava no chão que seus símbolos representariam o número 8, e eu estava certo (é claro que eu sabia a resposta para aquele problema, só não estava me lembrando antes, um pequeno lapso perante o calor da batalha).

– Eureka! – disse me lembrando da palavra que meu tutor sempre usava.

Eu tentei fazer como meus companheiros, porém mal conseguia erguer a pedra.

– Joguem a pedra – disse eu – Peguem esta pedra e joguem nele!

Ryu tentou levantar, mas ao fazer isso deixou a rocha cair o que fez com que a mesma rachasse um pouco. Para nossa esperança o Guerreiro pegou a pedra e a arremessou no mesmo momento em que o cavaleiro sem cabeça tornou a aparecer.

Quando o último pedaço foi colocado junto ao triângulo espectral, tanto o cavaleiro quanto o triângulo desapareceram deixando as pedras flutuantes caírem no chão e se partirem com o impacto.

– Obrigada aventureiros, agradeço por terem salvado a minha vila – falou timidamente a camponesa.

– Estamos apenas cumprindo nosso papel – disse fazendo uma mesura.

– Em gratidão, eu gostaria de recebe-los em minha humilde casa – continuou ela.

Por alguma razão todos olharam para mim com olhar condenador.

– Então, podemos ir? – disse a moça retomando a conversa.

– A propósito moça onde estamos? – eu quis saber antes de partirmos.

– Vocês estão próximos ao vilarejo de Ozigton – ela respondeu.

– Era aqui que deveríamos chegar, não? – perguntou Joseph.

– Sim meus caros, esse é o nosso destino atual – respondeu Ryu.

Prestando mais atenção na camponesa eu pude perceber que em suas vestes havia o símbolo de um guaxinim bordado. Associei aquilo ao meu conhecimento de que em algumas famílias de camponeses símbolos eram criados e usados para representar as diferentes casas.

Quando um raio cortou os céus e pode-se ouvir o trovão que o acompanhava ela se encolheu e disse:

– Vamos pela capela, é mais seguro.

– Uma capela, de qual divindade seria? – indaguei.

Enquanto caminhávamos em direção à tal capela ela respondeu:

– Bom, já tiveram alguns cultos na capela. Originalmente a capela cultuava a Chauntea, a deusa da natureza, só que depois de alguns eventos problemáticos a capela foi utilizada para cultuar Vecna. Mas outros conflitos aconteceram e ela acabou sendo abandonada, nenhuma divindade é cultuada na capela atualmente.

Assim que ela mencionou o nome de Vecna meu sangue gelou e cuspi no chão em desrespeito a ele.

– Coitada da capela – disse Joseph em resposta.

– Aquele Lich maligno não merece sequer um templo em sua reverência – falei completando meu companheiro de aventuras.

– Aquela carcaça morta – continuou Joseph.

– Sábia observação, meu caro. Mas enfim, seguiremos por esse caminho mesmo, já que é o mais próximo.

Assim que chegamos a capela era óbvio o seu abandono. Ela estava dominada por lodo e teias de aranha e suas estruturas arquitetônicas pareciam muito mais velhas do que a realidade.

Embora as palavras que a camponesa tenha proferido tenham sido firmes, me parecia que ela estava omitindo alguma informação a respeito da história da capela. Ela então abriu a entrada de um porão e pediu que a seguíssemos.

– Peço desculpas pela desconfiança minha cara – falei com intuito de descobrir mais a respeito daquele lugar – mas passamos por algumas experiências traumáticas em subterrâneos e eu estou um pouco temeroso. Principalmente sabendo que esse templo foi um local de adoração a Vecna. Não haveria realmente outro caminho?

– Poderíamos ir… – ela hesitou – ahn… pela floresta. Mas está chovendo, então acho que poderia ser mais perigoso. Mas já que vocês são bravos guerreiros não teríamos problemas, não? Podemos ir pela floresta então.

– Vamos pela floresta então – disse o nosso Patrulheiro Ivellios – Me sinto mais seguro lá.

– Com todo respeito moça, eu não confio muito em você, então acho que a floresta parece uma boa opção – falei meio sem pensar já indo em direção a saída.

– Desculpe se não passei sinceridade o bastante – disse ela começando a chorar.

Nesse momento meu coração se partiu e me senti culpado, então no mesmo momento lhe pedi mil desculpas explicando que falei aquilo sem pensar.

– Eu prefiro ir por aqui para evitar a chuva, perdi muitos familiares por conta da peste – explicou ela.

– Que peste? – perguntou o guerreiro.

– Uma doença que assolou nosso vilarejo a um tempo atrás. Eu não queria contar para que vocês não fossem embora – respondeu ela.

Novamente ela não me convenceu e fiquei com uma pulga atrás da orelha. Ainda achava que escondia algo.

– Queria que o mago estivesse aqui, ele saberia o que fazer – falei um pouco alto de mais.

– Quem é esse mago de quem falam?

– Um antigo companheiro de viagem – disse Joseph

– Ele morreu – falou Goik

– Ele provavelmente não está morto – complementei – Deve ter sobrevivido.

– Ajuda é sempre bem-vinda, não? – perguntou ela

Todos concordamos silenciosamente

– Não me levem a mal companheiros, acredito que uma peste agora não nos seria de valia alguma, tendo em vista a importância de nosso objetivo.

A camponesa pegou uma enorme chave para abrir a passagem do porão

– Alguém poderia me ajudar? – suplicou a moça

O bárbaro prontamente pegou a chave com dois dedos e a girou sem esforço. Uma passagem se abriu, revelando um túnel muito bem preservado.

– Esse túnel está bem conservado – disse Ryu – Vocês o usam com frequência?

– Sim, nós costumamos vir com certa frequência para honrar nossos mortos. Aquelas pedras cúbicas que vocês viram no descampado servem para marcar onde nossos entes queridos foram enterrados. Não se preocupem, eu não fiquei chateado com as que vocês quebraram, eu entendi que era necessário.

– Se é tão distante por qual motivo vocês se dão tanto trabalho de vir para cá?

– É porque temos medo que mais pessoas se transformem em espectros…

– Você conhecia aquele espectro em vida?

– Eu não o conhecia, mas dizem que se tratava de um paladino que protegia nosso vilarejo antigamente.

Nós começamos a seguir pelo túnel.

– Você disse que tinham um objetivo, de que se trataria? Não querendo ser inconveniente, né? – perguntou a não tão inocente camponesa.

– Estamos a procura de aventuras e riquezas – desconversou Ryu

– Vamos salvar o mundo, oras – falou Joseph meio que se gabando – Coisa de aventureiros.

– Estamos tendo uma semana meio complicada – falou Goik por fim

– Oh, já ia me esquecendo, que indelicadeza a minha – interrompeu a camponesa tirando de uma bolsa um pequeno saco. Depois de tirar algumas camadas de pano, alguns frutos vermelhos se revelaram nas mãos dela. Elas eram muito brilhantes e pareciam suculentas, mas eu não confiava nela o suficiente para experimentar.

– Vocês querem? – perguntou ela num tom inocente.

O bárbaro rapidamente pegou um fruto e enfiou na boca. Depois de analisar por um tempo, Ivellios também pegou uma amora e comeu. Joseph também não fez cerimônia. Apenas eu e Ryu não comemos, temendo pelo pior.

– Não vai querer, moço? Está tão gostoso – diz ela encarando Ryu e em seguida pegando uma amora e também comendo – Só um é o suficiente.

Ryu analisou as amoras parecendo tentado, mas depois de pensar bem ele fez uma expressão de temor. Depois de passarmos pelo corredor Ryu começou a se preparar para lançar uma de suas magias.

– O que ele está fazendo? – perguntou a donzela

– Eu não sei – respondeu Joseph – Pra que tanta suspeita cara? Tá tão gostoso, come.

– É, come! – reafirmou o bárbaro em um tom estranho.

Ela começou a se afastar

– O que ele está fazendo? – repetiu ela recuando.

Antes que ela pudesse se afastar mais eu saquei minha lira e comecei a dedilhar. Estava me preparando para enfeitiça-la, para obter respostas, mas não surtiu efeito.

– O que está tentando fazer comigo? O que pensa que sou? Para que tanta desconfiança? Sou apenas uma camponesa – gritou ela aos prantos enquanto corria pelos túneis.

Apressados, começamos a segui-la correndo.

– Calma, calma, ele é doido – falou Joseph tentando faze-la parar.

– Calma, calma, você não deveria ter uma fruta mágica, você é apenas uma camponesa, vocês não veem isso seus cegos? – esbravejei em resposta tanto para meus companheiros, quanto para a camponesa como também para o universo!.

Ela entrou por uma passagem que se fechou no momento em que a alcançamos.

– Bárbaro, você consegue abrir? – perguntei à Goik.

– Vamo embora? – perguntou ele desanimado.

– Você consegue abrir ou não homem?! – esbravejei irritado.

Joseph colocou a mão em meu ombro e disse:

– Você perdeu a noção do perigo?

– Bem meu companheiro, eu acho que uma guia que não se pode confiar não é de fato uma guia.

– Vamos pela floresta? – perguntou desinteressadamente Ivellios

Goik fez então força para abrir o mecanismo, mas como não conseguiu sozinho, Joseph o ajudou. Juntos conseguiram manter a passagem aberta por tempo suficiente para que Ivellios, Ryu e eu conseguíssemos passar. Ryu subiu a alavanca que camponesa havia puxado e o mecanismo travou, permitindo que Goik e Joseph passassem.

– Eu confio bastante em vocês companheiros, – digo para meus amigos – mas eu não sei o que aquele fruto pode ter feito em vossas mentes. Então caso queiram ficar aqui eu irei entender.

Ivellios tomou a frente e percebeu as pegadas da camponesa, ele então nos guiou para a direita e seguimos os rastros atrás dela. Depois de uma longa caminhada chegamos até uma escadaria que levava a uma porta dupla. Ryu subiu e tentou abrir a porta, mas aparentemente ela fora trancada por fora. Me virei para o bárbaro e disse:

– Goik, você conseguiria abrir essa porta? Seria de muita valia.

– Abri-la ou destruí-la – respondeu ele num sorriso.

Ele golpeou a porta com toda sua força pulverizando a porta com um único golpe de seu machado.

– Muito eficiente, meu caro – respondo.

– Hoje você tá que tá, hein? – exclamou o guerreiro.

– Eu comi bem hoje – respondeu o bárbaro.

Quando a poeira baixou um pouco mais, nós percebemos o que estava detrás da porta. Um grupo de fazendeiros irados com tochas e garfos em punho. Assim que nos viram pudemos ouvir um turbilhão de gritos: “Criatura!, soem o alarme”, “Um dragão”, “na forma de… alguma coisa!”, “Parece com um ser humano, mas não é um ser humano!”.

Eu tomo a frente do grupo e tento persuadir os camponeses furiosos com minha língua de prata. Infelizmente eles estavam muito nervosos, pois mal pude abrir a minha boca e alguém atirou uma pedra que me acertou em cheio. Ivellios tentou tomar a frente, mas assim que foi visto houve um turbilhão de novos gritos com ódio renovado: “Um elfo, ataquem ele!”, “Soem logo o alarme!”. Mais pedras voaram, porém meu amigo teve mais sorte ao esquivar delas do que eu.

– Calma, calma, não priemos cânico – disse o guerreiro tentando acalmar as emoções dos aldeões – Somos amigos (fico pensando onde o guerreiro vem aprendendo tais verbetes).

– Desde quando uma criatura dessas é amiga? – perguntou alguém do meio da multidão

– Vocês estão com um elfo, eles são assassinos! – bradou outro camponês.

– Bem que Charlote avisou, não devemos confiar em aventureiros errantes – acrescentou outro ainda – Foram vocês que tentaram enfeitiça-la. São bruxos!

Todos os aldeões começaram a correr em nossa direção.

– Silêncio todos… – ainda tentou articular o clérigo antes que um embate desnecessário acontecesse.

Alguns instantes depois ouvimos um Alarme ser soado.

– Não confie nas pessoas né? – Joseph perguntou a mim em tom irônico

– Não devemos mesmo – respondi estoico – Desculpe-me, eu tenho meu senso de justiça.

– Por que motivo eu sempre tenho que dizimar uma pequena população quando chego a uma cidade? – cortou o bárbaro.

Eu segurei o ombro de Goik disse:

– Sem dizimar nenhuma população essa semana, certo?

– Não matar pessoas – completou Ryu

Antes que pudéssemos conversar, nós ouvimos o trote de cavalos. Quatro cavaleiros usando armaduras modestas se aproximaram de nosso grupo. Atrás deles um quinto homem vinha em seu corcel com roupas um pouco mais apresentáveis, com o símbolo de um corvo no peito.

– Calma homens – disse o nobre – Não precisam atacar e todos os demais podem voltar aos seus afazeres, a situação está controlada.

Depois de algum momento todos os aldeões, ainda desconfiados, começaram seu retorno ao vilarejo e o homem, que parecia nobre, desceu do cavalo. Para ele entender que não éramos perigosos, eu depositei minha espada longa no chão.

– Conversemos como pessoas civilizadas, então. Ao menos desta vez – digo encarando o líder.

– Sim, claro. Peço desculpas pelo tratamento da população, é que todos estão meio que traumatizados com os últimos acontecimentos – falou o líder com eloquência – Todos aqui tem uma certa resistência a manipulação mágica. Já sofremos muito com arcanos que queriam nos enganar. Quiseram levar nossas pedras guardiãs. Os monólitos que protegem nossa vila… bem, ao menos protegiam. Ali está um deles.

Ele aponta para um monólito de três metros de altura a uma distância relativamente grande. Aquilo me fez lembrar vagamente de uma certa história. Séculos atrás, druidas provenientes de todas as regiões do mundo se reuniram para formar um círculo druídico nas profundezas de uma antiga floresta. Consagrado pelos druidas, o local se tornou um santuário imune a observadores externos. Muitos séculos depois a área presenciara duas batalhas colossais. Na primeira, Sagnar, o senhor da guerra, derrotou os exércitos invasores, porém o segundo confronto foi marcado pela sua derrota. O túmulo imponente edificado em sua homenagem ainda é um marco local, localizado a poucos quilômetros a noroeste do círculo de pedra. Provavelmente aquela era a vila onde outrora fora um local de consagração druídica.

– Apesar da rispidez com que a população tratou vocês eu gostaria de recebe-los em minha casa – prosseguiu o homem – Eu sou o regente da vila… pelo menos por enquanto.

– Qual o seu nome? – perguntou Ivellios com a típica indiferença élfica

– Meu nome é Dyson Ossington – se apresentou o prefeito

Seguindo as apresentações cordialmente eu fiz uma mesura e me apresentei:

– Meu nome é Donovan Liadon. Sou um bardo itinerante, e estou atualmente com esse grupo de aventureiros para… cumprir um objetivo em comum.

– Esses são os meus guarda-costas – disse Dyson apontando para os cavaleiros atrás de si – Cada um proveniente de uma família tradicional do vilarejo.

Percebi que os guarda costas também traziam símbolos de alguns animais em seus respectivos peitorais nas armaduras: o primeiro trazia o símbolo de um urso, o segundo de um lobo, o terceiro de um tigre e o quarto trazia o símbolo de uma serpente. Deduzi que as pessoas que portassem os símbolos de animais mais ferozes deveriam ter um status um pouco mais importante na cidade.

– Se apresentem – eu disse sussurrando para meus companheiros de aventura.

– Ah… A propósito eu sou o clérigo Ryu – se apresentou o devoto.

– Clérigo de quem? – perguntou Dyson interessado.

– Lathander – falou Ryu orgulhosamente.

– Ah… conheço sua divindade – respondeu o prefeito pensativo – Ela é muito admirada, não?

– Ah é – falou Goik ainda em resposta a mim – Eu sou Goik, o voraz.

Pensativo, disse a mim mesmo: “Duvido bastante que ele sequer conhece o significado da palavra voraz”.

– Nossa, nunca tinha visto um Draconato de tão perto – comentou Dyson.

– Você quer tocar – disse Goik estendendo o braço.

– Não, não. Muito obrigado – agradeceu o regente cordialmente.

– Ao menos ele sabe o que você é companheiro – disse para o bárbaro.

– Não precisa se preocupar – complementou Goik – Eu cultuo Bahamut. Não tenha medo.

– Sim, com certeza – confirmou Dyson – Afinal, que bom, não é?

Dyson olhou para Ivellios, parecendo um pouco assustado e desconfiado:

– Como é seu nome?

– Muito prazer, meu nome é Ivellios Sianodel – respondeu o patrulheiro.

– Temos um problema aqui. Ivellios não será bem recebido na cidade. – falou o prefeito com aparente preocupação – Se ele puder se disfarçar… É que alguns dos integrantes de nossa vila foram assassinados por elfos das redondezas. Então com certeza eles são xenófobos.

– Foram elfos negros? – perguntei curioso.

– Não, não eram elfos negros, mas sim elfos da floresta – respondeu Dyson com certo pesar na voz.

– Ah… nesse caso… seria bom usar um manto, por enquanto, para cobrir suas orelhas meu caro – falei encarando o arqueiro – Além, de que, de preferência, não ser tão altivo.

– Um capuz seria o suficiente – disse o prefeito indo até seu cavalo e tirou de uma bolsa um capuz negro com o símbolo de um corvo – Vista esse capuz. As pessoas não lhe incomodarão ao ver o símbolo de minha família.

Ivellios o vestiu, e pareceu que estava realmente confortável, pois ele adquiriu uma postura mais relaxada, como se sentindo em casa.

Por fim o guerreiro se apresentou:

– Eu… sou… Joseph… Joestar… – por algum motivo desconhecido a todos ele fez diversas poses durante as pausas (pensei: um dia ei de entender as maluquices deste guerreiro intrigante).

– Agora que estamos devidamente apresentados gostaria de esclarecer um assunto – falei para Dyson calculando minhas palavras – Acho que a moça, Charlote, bem… houve um mal-entendido, um tanto quanto desnecessário. Bem, eu estava um pouco desconfiado com relação a ela, pois ela disse ser apenas uma camponesa, porém trazia frutos mágicos consigo e sabia de um caminho subterrâneo secreto em um templo de Vecna. É algo de se suspeitar quando se vem de longe. Portanto, eu… posso ter tentado controlar sua mente para extrair a verdade dela, mas não pretendia lhe causar mal algum.

– Você falou em frutos mágicos? – perguntou o regente confuso – Não entendi.

– Ela tinha consigo algumas frutas, que pareciam ter efeito mágico nos meus amigos, pois eles se sentiam saciados da sua fome como se não precisassem comer mais nada. Ela ficou constantemente dizendo que bastava um fruto para ter a fome saciada – expliquei ao prefeito – Achei bastante estranho para uma simples camponesa…

– Realmente é algo estranho, concordo – acrescentou ele – Seria bom conversar com ela a respeito de onde ela encontrou esses frutos.

-Realmente seria interessante – concordei – A propósito, eu não sei se ela deixou claro a situação com que nos encontramos. Ela estava sendo perseguida por um espectro montado em um corcel espectral e tinha um olho gigante flutuando sob a criatura. Acabamos tendo de destruir três pedras cúbicas que havia no descampado, mas foi necessário.

– Eu preciso relatar a vocês o que está acontecendo aqui – intimou Dyson.

– Bem, poderíamos ir para um local mais seguro? – perguntei preocupado.

– Sim, com certeza. – respondeu ele subindo em seu cavalo.

– Senhor Ossington, a porta foi pulverizada. – falei apontando pela entrada por onde viemos – Isso não vai acarretar nenhum problema?

– Bom, teria, não é? – falou ele rindo – Nós precisaremos mandar alguns marceneiros consertá-la.

– Quanto vai custar? – perguntei preocupado.

– Não se preocupem, eu entendi a razão. – respondeu ele – Vocês não sabiam da nossa condição.

Em seguida Dysson nos guiou até o vilarejo. Chegamos aos portões da muralha de pedra que circundava a cidade. Eram muito altos, cerca de 5 metros. Ao ver o regente alguns guardas abriram a passagem para nós e seguimos em direção à casa do prefeito. O vilarejo não era muito grande e, embora as casas fossem muito simples, todas eram feitas de pedra, parecendo bem trabalhadas. A única exceção era a casa do regente, maior e mais bem trabalhada que as demais casas do lugar, similar a um casarão feudal.

Nós entramos na construção, e subimos alguns lances de escada. O senhor Ossington fez os guarda-costas descerem e montarem uma guarda abaixo, mas antes de irem ele complementou dizendo-os: – Informem a todos que o elfo havia enganado os aventureiros, mas que ele já… enfim, já… já deram cabo dele – disse Dysson para seus guardas. – Ah, e que a criatura que está com eles é amigável.

Eles confirmaram o entendimento com acenos de cabeça ao regente e desceram para cumprir suas ordens. Em seguida nós entramos na sala de jantar.

– Bom, sentem-se – pediu nosso anfitrião.

Na mesa estava disposto um belo jantar que contava com cervos, frutas, vinho, água pura e alguns caldos. Eu e Ryu – que não havíamos comido a fruta da camponesa – fomos os primeiros a nos servir. A comida estava muito boa, parecia ter sido cozinhada por anjos.

– O que acontece, caros aventureiros – começou a explicar o regente enquanto comíamos – é que nossa vila antigamente foi assolada por muitas batalhas. Os monólitos que cercam nosso vilarejo foram outrora um local de grande poder. Foram erguidas por druidas a muito tempo atrás.

– Sim – disse em meio uma mordida – eu já ouvi a história antes… a muito tempo atrás.

– Bem instruído você, hã? – disse Dyson em resposta ao meu comentário.

– Agradeça a minha mãe – falei divertidamente.

– O que é um druida? – perguntou Goik confuso enquanto comia um grande pedaço de cervo.

– Tinha desse na guerra – respondeu Joseph – Lembra daquele cara dos animais?

– Ah sim… – disse Goik e voltou a comer.

– Bom, continuando… Vieram pessoas de vários lugares querendo tomar o poder das pedras mágicas. Depois de tantas batalhas elas perderam seu poder – continuou explicando o prefeito.

– Que pena, acredito que um colega nosso adoraria estudar sobre essas pedras. – comentei enquanto bebia uma dose de vinho.

– Nós somos herdeiros do que antes era algo extremamente sagrado para todos nós. Não é à toa que… bem, vocês repararam que cada habitante do vilarejo é representado por um animal. Isso em consagração com os seres da natureza. Mas nenhum de nós tem poderes druídicos, apenas uma homenagem aos nossos antepassados. Mas eu ainda não sei o que acontece, pois nós ainda somos assolados por esse espírito que nos persegue constantemente. Além disso os elfos da floresta acham que somos inimigos, mas nós só queremos proteger o que é nosso. – Ele fez uma pausa e encarou Ivellios – Nada contra você meu caro, eu entendo que veio de terras estrangeiras, não é dessa região. Mas as pessoas daqui estão bastante calejadas com o sofrimento, por isso criaram esse tipo de resistência. Nós estamos cansados dessas ameaças. Por isso que nós nos fechamos para o mundo. E já que nós conseguimos manter nossa sobrevivência, somos uma vila autossustentável, não queremos mais contato com o mundo exterior.

– Entendo – disse absorvendo as informações e planejando meus próximos passos – Por acaso houve algum impacto, alguma pedra vinda dos céus, ou apareceu alguma coisa nas redondezas e foi notificado ao senhor? Algo de preferência… verde. Estamos procurando por uma pedra verde, pois o antigo dono… enfim, precisamos reavê-la.

– Uma pedra verde vinda dos céus? – perguntou Dyson incrédulo.

– Talvez tenha aparecido espontaneamente em algum lugar por aqui – respondi tentando passar confiança – Não temos certeza.

– Acredito que tenha sido ontem ou anteontem – falou o regente pensativo – Eu ouvi relatos de alguns aldeões, falando de um cometa verde, na direção do grande túmulo do senhor da guerra, a alguns quilômetros daqui. Agora assim… eu não sei ao certo, apenas ouvi boatos. Não sei se realmente procedem essas informações, ou se, bem, as pessoas estão criando coisas.

– Bem, acredito que isso seja o suficiente para nos guiar – respondi pensativo.

Nesse instante o alarme da cidade soou novamente, mas agora provavelmente era uma ameaça real.

– Desculpe amigos, o alarme soou – falou ele se levantando e se preparando para sair – Preciso ver o que está acontecendo. Mas fiquem à vontade.

– Precisa de ajuda? – perguntei rapidamente.

– Se precisarem de alguma coisa, toquem esse sino que a minha criada vem atendê-los – disse ele apontando para um pequeno sino que estava depositado sobre a mesa enquanto saia esbaforido do aposento.

O bárbaro terminou sua refeição com uma única mordida, se levantou e seguiu o nobre sem nenhuma explicação. O guerreiro também terminou de comer um pedaço de carne e saiu em disparada. O patrulheiro tomou um último gole de vinho antes de também sair com o clérigo junto dele.

Eu terminei minha refeição calmamente, toquei o sino e esperei pela criada encostado em uma janela, tentando ver o que acontecia lá em baixo. O caos estava instaurado no vilarejo, porém eu confiava que meus companheiros fossem ser capazes de lidar com a situação.

Depois de alguns instantes a criada apareceu. Era uma senhora já idosa e andava de maneira peculiar.

– Boa noite, minha nobre senhora, gostaria de… – tentei começar, mas fui interrompido.

– Você é bunito – disse ela me cortando.

– Muito obrigado – respondi lisonjeado – De fato sou…

– Já tem muié? – perguntou ela diretamente, curta e grossa.

– Estou atrás de uma na verdade – respondi ainda de bom humor.

– Eu tenho uma fia soltera, tu num qué se enrabichar cum ela não? – disse ela rapidamente, mal esperando minha resposta.

Aquilo me pegou de surpresa e, incrivelmente, eu não consegui me articular muito bem em seguida.

– Bem… é que… deveria… eu acredito que deveria… haver um encontro primeiro… um primeiro encontro. – falei sem jeito. Eu tentei desviar o olhar de seus olhos penetrantes e pude perceber que em suas vestes havia o símbolo de uma andorinha.

– Ela é muito bunita – prosseguiu ela.

– Me apresente pois… – tentei me recompor.

– É a menina mais bunita da vila – acrescentou ela.

– Eu gostaria de conhece-la – falei por fim.

– Vamos, eu vou apresentar você pra ela – gritou ela já me puxando pelo braço – Hum, você é forte. É bem o que minha fia qué.

– Antes de ir senhora, gostaria de ler algum livro da geografia local – disse tentando evitar ser puxado.

– Um livro? – ela falou confusa – Eu não sei o que é isso não mininu.

– Livro? – perguntei incrédulo – Você não sabe o que é um livro?

– É – respondeu ela com franqueza – O que é um livro? Eu sei o que é cozinha, eu sei o que é balde, eu sei o que é caldeirão… eu sei essas coisa. Essas coisa aí de gente inteligente eu num sei o que é isso não.

– Ah nesse caso… – falei atônito.

– O sinhô fale cum o regente daqui, que ele deve saber dizer essas coisa, que eu num sei nada disso não.

– Então… – falei tentando me desvencilhar dela.

– Mar vamo conhecer minha fia. – disse ela me puxando novamente.

– Vamos… – aceitei por fim.

Descendo alguns lances de escadas um tanto devagar pela condição da senhora já idosa. Eu comecei a sentir um cheiro maravilhoso, logo sabia que me aproximava da cozinha.

Chegando lá eu tive uma das visões mais lindas da minha vida: uma bela mulher de cabelos ruivos cozinhava com temperos espalhados pelo cozinha e nos bolsos de seu avental. Os olhos castanhos eram profundos e me capturaram assim que os vi.

– Mãe, o que é isso? Aqui é a cozinha! – disse ela tentando se arrumar.

– Minha fia óia que homi bem prendado qui vêi do ixterior – gritou a senhora com evidente felicidade na fala – Cê num qué casar cum ele não?

Eu fiz uma mesura para a jovem cozinheira e me apresentei formalmente.

– Prazer, meu nome é Donovan. – falei sorridente.

– Mãe, eu tô sem os ingrediente para fazer o bolo, – falou ela desconversando – a senhora pode pegar na dispensa?

– Você tá querendo me tirar da conversa. – respondeu a velha criada – Mas eu sei por que é. Tudo bem, eu vou sair.

– Desculpe a minha mãe – falou ela se dirigindo para mim – Enfim, ela quer me casar com todo mundo.

– Bem, não sei se isso é uma coisa boa ou ruim para mim – respondi pensativo.

– É péssima – retrucou ela – É péssima. Eu não quero me casar com ninguém.

– Ah… que pena – falei cabisbaixo.

– Eu só quero viver minha vida aqui, como sempre vivi – continuou ela.

– A propósito, sua mãe não me falou o seu nome – mencionei enquanto via a andorinha bordada em suas vestes – Qual seria?

– Meu nome – falou pausadamente a moça – é Morgana. Aproveite que minha mãe foi embora, pode ir. Não precisa ficar aqui.

– Antes de sair – falo sem muita esperança – Talvez você não tenha essa informação, mas você saberia me dizer onde posso encontrar alguns livros, na casa do lorde?

– Ah sim… Há a biblioteca. – respondeu ela timidamente.

– Você poderia me dar as instruções para chegar lá? – perguntei.

– É melhor você pedir permissão do lorde – continuou ainda mais tímida – Pois, afinal de contas…

– Oh sim… eu procurarei ele – respondi com menos esperança ainda.

– Leve um pedaço de bolo para a sua jornada – disse ela entregando o alimento envolto em alguns panos.

– Ah, muito obrigado – agradeci guardando o pedaço que ela me deu.

– Vá logo, ela está voltando – disse ela me empurrando levemente.

Eu sai rapidamente, mas pude ouvir os gritos da senhora.

– Minha fia, e aí? Já casou? Você é besta, você é fraca. Eu na sua idade já tinha três filho. Seus irmão tão aí de prova, pra comprovar. Tão na guarda, tão aí protegendo a vila e você aí… né? Aí… jogada… uma cozinheira… uma reles cozinheira… vai morrer que nem sua mãe.

Do lado de fora da rua eu pude ouvir um grande burburinho.

– Oh, Ivellios Sianodel que expulsa elfos só com palavras – repetia a multidão.

Eu retornei ao aposento onde esperava encontrar meus amigos. Assim que cheguei e os vi cumprimentei debochadamente o patrulheiro

– Parabéns, Ivellios que espanta elfos apenas com palavras. Um título muito grande eu acredito.

– Nossa, como conseguiu – disse o lorde surpreso – Nós sempre sofremos, como conseguiu convencê-los a irem embora?

– Eu menti para eles – disse altivamente.

– O que você disse para eles? – perguntou o Dyson curioso.

– Ér… bem… eu disse… – falou atropeladamente o patrulheiro.

– Você fez algum trato com eles? – perguntou o regente num tom acusador.

– Entenda… – tentou ganhar tempo o elfo.

– Você é um elfo afinal de contas – continuou ele.

– Entenda, eu sou um elfo…

– Tire o capuz – ordenou Dyson, e assim que Ivellios tirou ele prosseguiu – Me entregue, e arrume seu jeito de se proteger.

– Eu tive curiosidade pelo que eles procuravam… – tentou argumentar Ivellios.

– Fale o que você combinou com eles. Vocês vão nos atacar durante a noite, não é verdade? – disse o prefeito acusando nosso amigo de conspirador contra o vilarejo.

– Eu não combinei nada disso – respondeu Ivellios em um tom alto – Você sabe muito bem que eu não sou daqui.

– Mas é um elfo, está em seu sangue – falou Dyson em tom acusatório.

– Eu pensei que você fosse mais culto – disse o patrulheiro simplesmente em resposta.

– Perdi muitos entes queridos por conta da intelectualidade – falou ele amargurado – Por querer conversar e não combater. Mas hoje entendo que os elfos não merecem confiança.

– Que clima tenso – mencionou o guerreiro.

– Deveras – respondi apenas.

– Como sou uma pessoa civilizada, vou permitir que durmam aqui essa noite. Apenas essa noite – prosseguiu o prefeito amargurado – E amanhã logo cedo, antes que todos acordem, vocês irão embora.

– Agradeço a sua generosidade lorde – respondi calmamente – Companheiros, poderiam me inteirar dos assuntos? Gostaria de saber o que aconteceu.

– Nós protegemos mulheres do ataque dos elfos, foi o que aconteceu – falou friamente Ivellios.

– Espere, espera… – hesitou Dyson – O que foi que você fez?

– Havia uma mulher que retornava para vila e estava fugindo do ataque dos elfos. – explicou Joseph – Nós fomos lá protege-la, então Ivellios foi mais na frente e os convenceu a recuarem.

– Evitei que todos morressem – acrescentou Ivellios – Já que fiquei preso do lado de fora.

– Fale o que realmente aconteceu – intimou o lorde – Estou usando meu bom senso, afinal eu sei que você é um estrangeiro. Façamos o seguinte, estou de cabeça muito quente hoje. Ver entes queridos sendo atacados me deixa fora de mim. Bote o capuz por enquanto. Maria!

– O que é? – gritou uma voz familiar em resposta – A pessoa num pode nem cuzinhá.

– Traga um daqueles capuzes que vocês usam para cozinhar – ordenou o lorde.

Ela traz um capuz simples e entrega ao elfo, saindo em seguida mal humorada de volta para a cozinha.

– Vista esse capuz – disse o prefeito para Ivellios – É um capuz de aldeão comum. Você está por conta própria. Use de suas artimanhas para tentar se desviar dos argumentos. Vão descansar, amanhã conversamos com mais, hã… com mais calma. Com mais clareza.

Ao olhar para Ivellios, ele parecia estar perdido em pensamentos, parece que o encontro com seus irmãos de sangue lhe perturbou, será que estava elaborando algum plano para reencontrá-los? Ou algo pior?

 

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