Contos

Conto de Donovan – Capítulo 7 – Desafios do Entorno

Narrado pelo escriba Donovan Liadon (bardo meio elfo, seguidor de Ohgma – Jogador Antônio Ricarti – estudante do 3º ano do ensino médio do curso integrado em informática)

Aventura do dia 17 de maio de 2017 no projeto RPG na escola, coordenado pelo prof. Helltonn Winicius


Contornávamos a montanha para retornar ao vilarejo em busca de algumas respostas. Nossas montarias estavam mortas, havíamos – imprudentemente diga-se de passagem – pulado de um precipício para tentar averiguar uma enorme pirâmide de gelo que estava sendo construída. Porém, ao chegarmos lá em baixo, percebemos que não conseguiríamos nos aproximar da edificação e lidar com todos os guardas (orcs cruéis) e acabamos nos condenando a um caminho mais longo para retornar ao vilarejo.

A neve cobria nossos pés e estava muito frio, mas nada que as peles que A Manopla nos deu não pudessem lidar. Caminhávamos vagarosamente pelo terreno de tundra quando encontramos um destacamento de orcs e um embate logo começou. Entretanto, um inimigo maior surgiu: um verme do gelo, ou como são mais conhecidos, um Ramorhaz.

O verme surgiu do solo coberto de neve, de um instante para o outro, surpreendendo tanto a nós quanto aos orcs. Na primeira investida, o verme lançou um dos orcs aos céus e quando o mesmo despencou da alta altitude foi abocanhado e engolido pela criatura.

Goiki foi o primeiro de nós a reagir. Ele apertou forte seu machado, andou ferozmente em direção à criatura e soltou um urro bestial. Naquele momento, eu sabia que ele havia entrado em sua habitual fúria e sido envolto pelo frenesi da batalha. Sabia também que ele só pararia de lutar naquele momento se fosse morto. Ele pegou impulso no último momento e pulou para enfrentar o verme. Com quatro golpes consecutivos de seu poderoso machado, o draconato conseguiu, literalmente, atravessar a criatura de um lado a outro. Acho que ele não percebeu no momento, mas devido o contato que ele fez com o sangue da criatura, todo o seu corpo dourado ficou repleto de feridas. O verme parecia ter um sangue semelhante a magma vulcânico, propício para protegê-lo de temperaturas tão baixas como as daquela região.

Ivellios foi o segundo a reagir. Ele preparou uma flecha e atirou, acertando em cheio a criatura. Porém antes de a primeira flecha acertar o verme, o patrulheiro já preparou e atirou a segunda flecha. Sendo certeiro com seu segundo tiro, o elfo conseguiu ferir a criatura.

Ryu agiu em seguida. Fazendo uma prece à Lathander, seu deus, conjurou fogo dos céus e lançou sua chama sagrada no verme. O verme fez um movimento brusco para evitar a investida divina e conseguiu esquivar da chama enquanto se chocava na base da montanha. A criatura soltou um urro bestial que me gelou a espinha.

Só depois disto eu pude reagir. Sentia minhas energias místicas se esvaindo, não acreditava ter concentração arcana suficiente para conjurar mais do que três magias. Por isso com agilidade saquei minha besta de mão e disparei um virote contra o verme. Não tive problemas em acertar, entretanto a criatura mal demonstrou sentir alguma dor quando a seta que disparei perfurou sua pele. Para o verme, minha ação não deve ter passado de um arranhão.

Não menos importante, Joseph foi o último a agir. Ele estava cara à cara com o verme, e o encarou antes de tentar atacá-lo, como que buscando por pontos de maior fragilidade. Então desferiu dois golpes consecutivos contra a criatura. Infelizmente ela conseguiu se esquivar, quando achei que Joseph iria desistir vi algo diferente no seu olhar. Seus músculos se contraíram e ele segurou o cabo e sua espada mais forte, se preparando para o que estava por vir. Em um movimento rápido, quase imperceptível, golpeou mais duas vezes o verme.

Um golpe ascendente enquanto dava um pequeno salto, praticamente partindo a criatura ao meio e quando voltou a cair, Jojo pôs todo o seu peso no segundo ataque descendente que cortou a cabeça da fera. Porém, com toda essa brutalidade no ataque, a pele de Joseph entrou em contato com o sangue da criatura, e estava perceptível que ele havia sido muito ferido por conta disso. Foi quando entendi que os dois primeiros ataques de Joseph serviram apenas como distração para que a criatura perdesse energia suficiente para o seu golpe fatal.

Depois de finalizada, o corpo dividido da criatura caiu para lados opostos, a cabeça totalmente destroçada e do estômago da criatura saiu o corpo do orc, engolido alguns instantes antes, já em estado inicial de digestão. Goiki se aproximou da carcaça do animal e tirou das entranhas do verme uma pedra vermelha brilhante. Depois que a vi de perto percebi ser uma gema bruta, embora parecesse valiosa. Ele a limpou na neve e olhou com atenção enquanto eu, Ivellios e Ryu nos aproximávamos. Aparentemente o bárbaro teria aberto a pedra e encontrado uma chave. Assim que nós chegamos perto ele disse:

– Companheiros, acho que encontrei uma chave!

– Eu acho que ela deve abrir algum cadeado, não? – perguntou Ivellios cheio de ironia.

– Ou talvez… – começou o draconato antes de ser interrompido.

– Por favor, nos ajude – gritaram algumas pessoas acorrentadas pelos orcs.

– Poderia usar a chave por favor? – pede Ivellios dirigindo-se a Goiki ainda com o tom sarcástico típico de sua raça.

Quando no aproximamos percebemos que os prisioneiros eram três anões, uma elfa e uma humana.

– Oh, eis um guerreiro muito poderoso – falou um dos anões dirigindo-se a Goiki enquanto nos aproximávamos.

– Isso é verdade! – respondeu Goiki.

– Mas aquele outro é mais sagaz – falou o outro anão apontando para Jojo com o queixo.

– Não importa! – grunhiu o primeiro – O que importa é que eles nos salvaram. Temos que ir embora…

– Espera! Espera! – disse Goiki  com ar de desconfiança – Como vocês vieram parar aqui?

– Nós fomos capturados – falou o primeiro anão – Somos mercadores. Mas eu não sei essa humana e essa elfa aí. Elas já estavam capturadas quando nós fomos abordados por eles.

Não prestei muita atenção nos anões, mas me lembro bem da elfa. Ela tinha um cabelo ruivo, cortado bem curto, não nos encarava diretamente e estava afastada em um dos cantos junto com uma humana – não tão interessante por assim dizer. Para tentar acalmá-las eu disse, primeiro em idioma comum e depois em élfico:

– Não temam, vocês estão livres agora, já podem sair.

– Eu agradeço – respondeu a elfa também em élfico, com certo desdém eu diria, enquanto olhava para o horizonte – Mas preciso ir.

– Para onde você vai? – perguntei prontamente.

– Eu ainda não sei – respondeu ela de maneira evasiva – Tenho que sair daqui, ir o mais longe possível.

– Ei! O que vocês tão falando aí!? – perguntou Goiki, o único de nós que não entendia o idioma élfico.

Quando Goik nos interrompeu não pude evitar um pequeno sorriso no rosto. Joseph começou a traduzir o diálogo para ele e Ryu se aproximou de nós perguntando a elfa:

– Do que está fugindo?

– Do terror da morte.

Senti um calafrio ao ouvir suas palavras sinistras, então abri caminho demonstrando que ela era livre para ir. Enquanto ela começou a caminhar sem uma direção específica, fui falar com a humana.

– Então, senhorita, como foi capturada? – tentei perguntar do modo mais gentil possível.

– Eu… eu estava em minha casa… – começou ela com clara confusão no rosto – Eu não sei exatamente… entraram e eu senti uma forte pancada na cabeça. Eu desmaiei, acordei a poucas horas… já estava acorrentada aqui. Eu sou de Cormyr. Onde estou? Por que está tão frio?

Cormyr é um dos maiores reinos humanos do mundo, a muitos dias de viagem das terras do norte onde estávamos e, quando prestei atenção nas roupas que ela usava, percebi que, embora sujas e rasgadas, eram de boa qualidade. Deduzi que fosse de alguma família nobre, ou algo do tipo. Eu me virei para a elfa que já estava um pouco longe, e gritei:

– E você, de onde veio?

Ela se deteve a caminhada e respondeu:

– Agradeço por terem me libertado, mas não lhe devo satisfações da minha vida – ela deu um sorriso ao terminar de falar e correu pela neve.

– Elfos… – comentei para mim mesmo com um sorriso – Minha mãe era desse jeito.

Voltei minha atenção para a humana e perguntei se ela era de alguma casa nobre, ao qual sua resposta foi:

– Meu pai tem algumas posses – respondeu assustada – Mas não façam nada com ele, ele está muito doente.

– Qual seu nome?

– Meu nome é Margaret… – ela fez uma pausa e completou – Obaskyr.

Ao mencionar esse nome confirmei a linhagem nobre da humana. A família Obaskyr tem reinado sobre Comyr por muitas gerações.

– Providenciaremos uma escolta para retorná-la a suas terras milady, tudo ficará bem agora.

Levantei e dirigi-me aos anões.

– E vocês anões, de onde vieram?

– Somos ferreiros da grande montanha – respondeu um deles – Servimos a Manopla.

– Adivinhe quem nos mandou aqui? – falou Jojo depois de uma risada.

– Nós fomos enviados pela manopla – expliquei para o anão.

– Ah! Sabia que nosso rei não iria nos deixar aqui – gabou-se o anão – Está vendo humana? Diga a seus fracos representantes humanos que nós somos diferentes de vocês. Nós temos bravura! Quem veio lhe buscar? Ninguém!

Depois do discurso inflamado do anão, a humana baixou sua fronte, demonstrando um ar de decepção. Vendo aquilo, tentei amenizar o sofrimento dela:

– Certamente a nobreza de Cormyr tem boas organizações que visam o bem e a ordem, elas nos contataram para que chegássemos até aqui, desta forma, entendo que Cormyr também está representada.

A mulher olhou para mim e esboçou um leve sorriso de contentamento, nesse momento Ryu, com uma expressão de dúvida, se aproximou de mim e sussurrou:

– Ele sabe que somos harpistas, né?

– Er… acredito que não – respondi tão baixo quanto.

– Bom, já que me libertaram – falou Margaret timidamente enxugando algumas lágrimas de seu rosto – Eu posso lhes oferecer alguma recompensa se me levarem para Cormyr.

– Podemos deixá-la na grande montanha… – tentei argumentar.

– Junto com esses trogloditas? – ela me interrompeu, indignada – Não!

– Prefere ficar no gelo? – perguntou Jojo.

– Também não! – respondeu Margaret ainda mais indignada – Uma coisa não me obriga a outra. Há muitas outras opções.

– Quais? – perguntou Jojo contrariado.

– Não sei! Me levem para Cormyr – disse ela por fim.

– Eu a levo – disse Ivellios determinado.

– Eu já ia sugerir isso de toda forma – falei para ele – Você é o mais apto a guiar a humana por terra. Nós estamos muito acostumados a meios mágicos para viajar, mas você é um patrulheiro experiente.

– Desejo sorte a vocês meus amigos. – falou ele com uma sinceridade incomum para um elfo – Iremos nos encontrar ainda.

Eu o cumprimentei com um aperto de mão seguido de um abraço. Entre todos os integrantes Ivellios era o que mais se parecia comigo e sentiria sua falta.

– Deixem que eu guio os anões também – falou Ivellios com ar meio debochado.

– Ser guiado por um elfo? – esbravejou o primeiro anão.

– Não diga que prefere a morte – falou o segundo – Você já está sendo drástico demais.

– Tudo bem, mas quem nos libertou foi o bárbaro e o guerreiro. O elfo só… fez o que deveria fazer. – retrucou o primeiro, em seguida se dirigiu a Jojo – A propósito como se chama bravo guerreiro?

– Joseph Joestar – falou enquanto fazia uma pose.

– Joseph Joestar? – falou o anão com forte sotaque – Gostei do seu nome.

– E vocês, como se chamam? – perguntei aproveitando a oportunidade.

– Flink. Flink Buscarocha – se apresentou o primeiro, em seguida apontando para o outro anão disse – Esse é meu primo Flunk Buscarocha.

– E você, quem és? – perguntei para o terceiro anão que estava calado desde o começo.

– Eu sou Córigah – disse simplesmente.

– Córigah… o que? – falei em busca de seu sobrenome.

– Córigah Rochanegra – completou ele – Não percebe a barba?

De fato, dos três anões aquele era o que tinha a barba mais volumosa e mais escura.

– Meu nome é Donovan Liadon – me apresentei então – Acredito que possamos ir para a fortaleza juntos e de lá nosso colega Ivellios poderá…

Olhei fixo para Ivellios. Não havia entendido bem a ordem em que faríamos as coisas. Acredito que ele tenha entendido a minha dúvida.

– Eu posso levar todos. Deixo os anões na montanha e então sigo com ela para Cormyr – explicou ele – Mas o que vocês pretendem fazer?

– Eu estava pensando em reportar as informações que conseguimos para o líder da Manopla. Afinal de contas, não temos muito que fazer agora contra aquela pirâmide enorme. Sem falar que Ryu tem certas suspeitas que eu acredito deveriam ser esclarecidas. Temos de planejar melhor o próximo passo a ser dado.

– Como parte do pagamento por me levar Ivellios, receba isso. – disse Margaret.

Ela puxou um pouco o manto. Ao analisar rapidamente parecia que uma de suas pernas parecia mais grossa que a outra. Olhando com atenção percebi se tratar de um pano grosso acoplado na perna dela. De dentro dele ela tirou uma pequena urna e estendeu para Ivellios.

– Dê aos meus amigos – falou ele com um leve sorriso no rosto. – Afinal, você não teria sido liberta se não fosse por eles.

– Eu acho que isso ficará melhor com você – ela disse entregando a urna para mim.

Eu logo abri, não devia ser maior que dois palmos. Dentro estava uma flauta de ouro, com vários adornos.

– Essa flauta tem propriedades mágicas para aqueles que sabem tocá-la – mencionou Margaret.

– Muito obrigado – agradeci fazendo uma mesura. – Usarei com sabedoria.

Comecei a tocar e senti uma confiança maior para a conjuração de minhas artes arcanas. Eu podia sentir a aura mágica que permeava o instrumento.

– Consigo sentir o poder dessa flauta. Estou realmente muito agradecido. Bem, acredito que nossos caminhos divirjam a partir de agora. Se passarmos em Cormyr iremos procurar você e saber se seu pai está melhor.

Enquanto nos preparávamos para nossas respectivas jornadas, Ivellios olhou para Goiki.

– Ei! Goiki. – começou Ivellios.

– E aí cara – respondeu o Draconato.

– Isso aqui é apenas uma lembrança pela nossa amizade – falou mexendo no cinto.

Ivellios puxou a cimitarra embainhada do cinto, até então acredito que ele nunca usara, e a entregou para o bárbaro. Goiki agradeceu com um grunhido e fez um sinal típico militar, sinceramente não entendi direito.

– Que Bahamut guie seus passos – falou Goiki por fim.

– Apesar de eu ter dado essa lembrança para o Goiki, ela representa minha amizade com todos vocês – disse Ivellios enquanto se despedia preparado para a viagem – Até um dia. Nos veremos em breve.

– Até um dia Ivellios – respondi.

– Até… – falou Ryu.

Ivellios e Margaret partiram em direção ao sul, rumo a Cormyr. Vimos eles se distanciando com certo pesar e fomos trazidos de volta a realidade por Flink:

– Ah então? Temos que voltar não é mesmo? – falou ele impaciente.

– Sim, de fato – concordou Jojo já pronto para a viagem.

– Então… – comecei preparando um gracejo – Vocês não acham que eles formam um casal muito fofo?

– Esse bardo é muito estranho – resmungou Flink para seu primo.

– Fale mais baixo – retrucou Flunk – Acho que eles ouviram.

– Não ouviram não – disse Flink – Eles são burros.

Ryu então se aproximou do anão e disse sorrindo:

– Eu concordo.

– Vamos embora – gritou Flink.

Voltamos a contornar a montanha, seguindo na direção da Fortaleza. O caminho tinha muita neve, que reduzia nossa velocidade. Depois de meio dia viajando conseguimos enfim contornar a montanha. Graças aos nossos mantos eu, Jojo e Goiki conseguimos passar pelo caminho sem grandes problemas. Infelizmente Ryu, assim como Flink, parecia afetados, sendo o clérigo com aparência pior tendo seus dedos roxos.

– Temos que achar um abrigo – disse Flunk – O humano não irá durar muito desse jeito. Se continuar aqui seus dedos podem necrosar.

– É… eu concordo – disse Flink enquanto batia os dentes.

– Também concordo – falei encarando os dedos de Ryu. – Jojo, acredito que você é o mais apto a fazer isso. Busque um abrigo para nós, por favor.

Ele olhou ao redor, cobrindo os olhos para impedir que a neve o cegasse e depois de andar ao redor pareceu ter encontrado algo. Retornou para o grupo dizendo:

– Há uma pequena gruta mais ao longe.

– Deve haver algo lá dentro! – respondeu Goiki apertando o cabo de seu machado.

Nos aproximamos da gruta. Goiki afirmava ter visto algum tipo de fonte luminosa na gruta, embora nenhum dos outros tenham visto nada. Entramos na gruta de todo modo. Assim que entramos o cheiro de fumaça se fez perceptível, logo ficamos alertas e olhamos para todos os lados. Goiki alertou a respeito de amontoado especial de neve dentro da gruta, era possível ver que alguma fogueira fora apagada às pressas.

– Parece que Goiki estava certo – falou Ryu enquanto apertava seu cetro – Não estamos tão sozinhos quanto pensávamos.

– Ainda está quente! – afirmou Goiki ao aproximar a mão da fogueira apagada.

Prontamente Jojo sacou sua espada de duas mãos e eu minha espada longa. Ryu e Goiki, que já estavam com suas armas em mãos, apertaram seus cabos com mais força, enquanto os anões atrás de nós ficaram apreensivos. Esperávamos um combate a qualquer momento. Jojo respirava pesadamente ao meu lado enquanto Ryu fazia uma prece para Lathander. No instante seguinte, a gruta se iluminou, e olhamos ao redor procurando um possível inimigo. Foi um dos anões que percebeu primeiro a presença desconhecida:

– Olhe quem está ali, parece um lagarto por entre as rochas! – falou rindo alto e grave.

Olhando na direção que ele apontava pudemos perceber que entre o espaço da rocha e a parede da gruta estava uma figura conhecida: a elfa ruiva.

– Droga! – praguejou ela – acharam-me aqui.

– Por qual razão se escondia?

– Ora, não sabia quem se aproximava – respondeu a elfa com uma sinceridade exagerada – É normal não é? Afinal, sou apenas uma elfa indefesa – falou cheia de ironia.

– Não tenho certeza se és tão indefesa como diz – afirmei tentando pressioná-la.

– Bem, sem uma arma sou praticamente indefesa – disse ela dando de ombros.

– Você luta com o que? – perguntei curioso.

– Adagas – falou ela com um certo brilho no olhar.

– De todo modo, – me dirigi a todos – Acredito que deveríamos descansar. Vamos fazer um revezamento de guarda.

Joseph logo pegou duas pedras e reacendeu a fogueira. A elfa ficou emburrada sentada num ponto mais distante.

– Posso saber quem foram os heróis que me libertaram? – falou num tom altivo, a elfa.

– Não dêem ouvidos a ela – disse Flunk – É uma elfa, sabe como são… elfos… são elfos… Eu não responderia principalmente depois do que ela falou antes de ir embora.

A maneira como ele falou me fez lembrar algo a respeito de meu passado. Eu fiquei meio triste e posso ter derramado algumas lágrimas enquanto olhava minha lira, a única lembrança de minha amada…

– Por que o bardo está chorando? – perguntou Flink.

– Coisas de meio-elfo – respondeu Jojo bem-humorado.

– Elfos são elfos… até quando são meio-elfos – resmungou Flunk.

– Eu vou dormir – falei triste enquanto me deitava num cobertor de peles.

Enquanto deitado pude ouvir os demais conversando.

– Você poderia participar dos jogos – comentou Flunk casualmente para Goiki.

– Vai ter jogos? – perguntou Goiki sem lembrar-se de sua inscrição no torneio.

– Nós estamos inscritos Goiki – comentou Jojo.

– Vocês vão entrar na arena de Gladiadores? – perguntou Flunk eufórico – Já tenho para quem torcer!

– Exatamente – respondeu Joseph com falsa modéstia na voz.

– Ganharei muito dinheiro! – continuou Flunk com uma risada seca – E você, ô dourado, vai lutar na arena também?

– Eu vou enfrentar Tauros na queda de braço – respondeu Goiki otimista.

Quando ele disse isso o terceiro anão, de nome Córigah, manifestou-se na conversa.

– Você? Vai batalhar contra o Tauros? O anão mais alto que já existiu? – gritou ele em deboche com altas risadas.

– Ele já venceu dele uma vez – disse Jojo.

– É verdade – confirmou Ryu.

– Você estava bêbado! É a única explicação! – falou Córigah incrédulo para Jojo – Ele nunca perdeu desde criança. Nunca perdeu! Não acredito que você ganhou dele!

– Alguém uma dia tem que superar – disse Flink, olhando para Flunk – Ninguém é insubstituível. Se ele tá dizendo… depois do que eu vi hoje…  Caiu lava no braço dele e ele não piscou nem um olho… Tu não viu não?

– É o sangue dracônico – falou Goiki enchendo o peito.

– Ele é um bárbaro… Bárbaros são assim mesmo – retrucou Flunk – A dor vem depois.

– E se for um anão bárbaro? – perguntou Ryu.

– Ai não tem pra ninguém! – disse Flunk – Meu primo, Kolgar, ele é bárbaro, nem sequer usa armadura…

– Calem a boca, quero dormir! – gritou a elfa impaciente.

– Quem vai montar guarda? – perguntou Córigah.

– Nós revezamos – respondeu Jojo.

– O cetro de Ryu deve dar conta – falei meio sonolento.

– Vamos todos dormir? – bradou Flunk com indignação – Eu não confio na elfa. Ela vai nos roubar na primeira oportunidade.

– Que absurdo! – falou com ultraje a elfa – Eu estou aqui desarmada, toda machucada, com fome, com frio, e você diz tal disparate anão? Sua sorte é que realmente não estou armada.

– Dêem uma arma pra ela agora! – gritou Flunk com raiva – Que eu vou cortar a cabeça dela! Empreste-me seu machado, bárbaro. Vou calar a boca dessa elfa agora.

– Não farei isso – respondeu Goiki com indiferença.

– Calma, calma – tentou Jojo – Não temos tempo para isso.

– Dê a adaga para ela – gritou Flunk em minha direção – Vamos ver quem é mais forte.

– Isso não é um bárbaro – disse Flink debochando para Flunk

– Empreste-me seu machado, deixe-me provar a esta elfa o quão forte sou! – gritou mais uma vez Flunk.

Assim que Goiki fez menção de emprestar o machado, Ryu e Jojo se colocaram entre ele o anão. Joseph foi mais rápido ao impedir que o anão conseguisse pôr as mãos no machado. Naquele ponto eu já estava de pé, tentando tomar o controle da situação. A elfa só piorava a situação enquanto gargalhava mais afastada na gruta.

– Palhaço… não consegue nem… – debochava ela.

Nesse momento, a fala da elfa foi interrompida pela repentina ação de Flunk que conseguiu tomar o machado das mãos do bárbaro e se preparou para atacar a elfa. Goiki tentou reaver sua arma, mas o anão impediu segurando-o com uma força surpreendente.

– Solte! – berrava Flunk – Agora que finalmente o peguei, não tirará de minhas mãos.

– Não seria sábio, seu tolo, – comecei a gritar para Flunk – matar um companheiro.

O draconato já impaciente tentou empurrar o anão, mas o fez com tamanha força que quase lhe quebrou o pescoço. Mesmo assim Flunk não largava a arma. Apenas depois de alguns instantes nessa posição com a ajuda de Jojo e Ryu, Goiki conseguiu reaver o machado. Depois de se acalmar um pouco ele respondeu-me.

– Ela não é minha companheira – falou ele com uma seriedade assustadora na voz – Ela é minha vítima!

– Então deixa para ela ser sua vítima depois – disse Jojo.

– Seja ao menos sensato para seguir o conselho de um irmão em armas – falei apontando para Joseph.

– Nesse caso… – falou ele resoluto – Eu não irei dormir enquanto ela estiver aqui… ficarei de guarda o tempo todo.

A elfa ainda ria do anão. Depois que Goiki o soltou, ele parecia relativamente mais calmo de toda forma. Antes de dormirmos, eu me preparei para tocar uma melodia que revigorasse meus amigos. Olhei de relance para a elfa no momento que me preparava para conjurar uma palavra de cura.

– Não precisa gastar suas magias comigo, bardo – disse ela cheia de orgulho.

– Não pretendia fazê-lo – respondi em mesmo tom – Apenas queria curar meus amigos, que de fato merecem.

– Eu sabia disso… – respondeu a elfa desconversando.

Eu e Ryu tratamos de curar os feridos. Depois disso começamos a revezar a guarda. Eu fui um dos últimos a ficar de guarda e tive uma noite relativamente tranquila de sono.


Goiki estava de guarda enquanto seus companheiros dormiam calmamente. A elfa misteriosa que fora resgatada pelo grupo fitava-o, preparando as palavras certas para atingi-lo. Como ela percebeu que o draconato estava sob efeito de uma maldição, não hesitou em usar isso ao seu favor.

– Parece que você está um pouco… doente – provocou a elfa.

– Talvez… – respondeu o bárbaro pensativo.

– Eu sei como reverter o processo – ofereceu ela – Mas a propósito, você não tem um clérigo no seu grupo?

– Sim… tem sim – respondeu ele coçando o queixo.

– E por qual motivo ele não lhe livrou dessa maldição? – continuou provocando.

– Ele não sabe a oração… – começou ele.

– Ah, ele não é competente o bastante – disse a elfa – Sei como é.

– E como você pode reverter isso? – perguntou interessadamente o draconato.

– Bem… você é um bárbaro tão poderoso, andando com um grupo como esse? Um bardo chorão, um clérigo que não tem sequer a capacidade de tirar essa sua maldição. Você e o guerreiro deveriam estar comigo em outras empreitadas, e não com esses dois.

– O que você sugere?

– Bom… Eu conheço… clérigos mais poderosos… e feiticeiros que não são tão chorões quanto esse bardo – acrescentou ela.

– Então esses clérigos seriam de que deus? – perguntou o bárbaro cauteloso.

– E você se importa?

– Eu me importo, sabe?

– Por quê?

– Bem, eu cresci numa casa em que…

– Os deuses não estão nem aí para nós. Eles nos usam como bem querem, e depois nos descartam. Ficamos à mingua.

– Não. Eu não vou seguir você. Blasfemadora.

– Pensei que fosse um bárbaro, não um clérigo. Desculpe-me então.

– Você realmente quer ver o que um bárbaro faz?

– Eu sei o que bárbaros fazem. E você não é um bárbaro de verdade.

– De novo… – disse ele erguendo o machado – Você quer que eu te mostre?

– Você já me mostrou, não precisa levantar seu machado contra mim. As palavras que você proferiu, já foram suficientes para me provar. Bárbaros não se importam com blasfêmias, eles se importam com a força, com a vitória.

– Eu preocupo com a força.

– Não o bastante.

– Eu me preocupo com o bem dos outros.

– Por isso que você não é um bárbaro tão genuíno assim.

– Antes de ser bárbaro eu sou um herói e um herói nunca abandona ninguém.

– Fiquei emocionada – disse a elfa batendo palmas levemente para o bárbaro.

– Mesmo? Você me parece suspeita.

– Todos somos suspeitos nessa vida, meu caro.

Goiki olhou melhor para a elfa. Só naquele momento, sob um olhar atento, ele percebeu que o corpo da mulher era coberto por finas cicatrizes, marcas causadas, sem dúvida alguma, por ferro. Além disso, o bárbaro também percebeu outras marcas: as marcas da escravidão. O tronco da elfa era coberta por cicatrizes de chicotes, herança de seu tempo como escrava, provavelmente.

Assim que ela percebeu os olhares atentos do bravo guerreiro, a elfa se cobriu com alguns pedaços de pano. Não era de seu interesse que seu inimigo soubesse muito ao seu respeito, afinal de contas, nem mesmo o nome ela havia compartilhado com os demais.

– Humpf… vou tentar descansar um pouco – disse ela deitando-se.

– Mas você não dorme – rebateu Goik.

– Estou me aquecendo meu caro – falou enquanto se aconchegava nas roupas.

– Se você realmente quisesse se aquecer, viria para perto da fogueira.

– Não necessariamente.

– Ou você realmente quer se aquecer?

– Bom, o que pretende fazer para isso? Sinto uma certa hostilidade na sua fala. Você não segue tanto divindades bondosas? Gosta tanto de ajudar as pessoa? Então? Você não pode me prejudicar. Sou apenas uma elfa indefesa. Você irá contra o seu deus se fizer isso. Ele irá lhe punir, irá lhe castigar. Ele não irá perdoar o fato de você atacar uma elfa frágil sem ter como se defender.

– A senhora já esteve na guerra? Na guerra crianças morrem.

Assim que Goiki terminou sua fala, a elfa se levantou em um salto e foi na direção do machado dele num movimento rápido. Goiki fez um movimento preventivo para tentar proteger sua arma, mas a elfa foi mais ágil e conseguiu desarmar o bárbaro. Entretanto, ao invés de usá-la contra o draconato, a elfa pôs o machado na mão dele e encostou o pescoço na lâmina.

– Vamos, mate-me – provocou ela – Não é isso que quer?

O bárbaro hesitou.

– Mate uma elfa indefesa – gritou ela.

Nesse momento todos os outros acordaram.


Eu e demais companheiros acordamos com um grito da elfa. Todos ficamos de pé em um salto e nos deparamos com uma cena estranha. Goiki, que estava de guarda naquele momento, segurava o machado ameaçadoramente próximo do pescoço da elfa ruiva, então ele imobilizou a elfa com agilidade, agarrando-a. Abri minha boca para falar, mas o draconato foi mais rápido.

– Essa elfa é mais sorrateira do que pensávamos! – bradou o bárbaro vitorioso.

– Ele estava querendo me matar – falou a elfa de maneira afetada.

– Goiki, o que você fez? – perguntei cansado.

– Eu… Veja minha situação! Esse bárbaro, esse biltre, quis matar a mim! Não ofereci nenhuma ameaça contra ele – disse a elfa.

– Ela profanou os deuses! – disse o bárbaro dando de ombros.

– Calma… – falou Jojo – O que ele fez?

– Ele quis me matar, ora essa, é o suficiente – disse a elfa com indignação.

– Ela está mentindo – retrucou Jojo – Eu o conheço, ele não faria isso. Ela está mentindo.

– Você me conhece Jojo! – defendeu-se o draconato – Você acha que eu imobilizaria se eu quisesse matar?

Mesmo confiando em nosso colega de aventuras, era difícil considerar que ele de fato estava falando a verdade. A elfa estava sendo sincera, ou ao menos fingia muito bem. Até mesmo Jojo pareceu meio receoso a respeito do companheiro de batalha, já Ryu estava com uma feição inexpressiva, como se tivesse percebido algo que os demais não viam. Eu tinha minhas dúvidas e, diferente dos meus colegas, que tentavam perceber a verdade com pura intuição perguntei.

– Cara… o que você fez? – perguntei olhando para o Goiki.

Não obtive respostas.

– Querem saber? Deixemos isso pra amanhã – falei no meio de um bocejo – Os próximos que ficarem de guarda, fiquem de olho neles.

– Pode me soltar? – perguntou a elfa.

– Soltar você? – respondeu Goiki incrédulo.

– Seu brutamonte! – praguejou a elfa.

– Solte-a companheiro – falei já me deitando – Só por enquanto.

– Você sabe que eu teria usado a lâmina – mencionou o bárbaro encarando Joseph enquanto libertava a elfa.

– É verdade – falou ele com certo pesar na voz.

– Voltem todos a dormir, precisamos descansar se quisermos estar no auge de nossas formas no dia de amanhã.

Flunk se levantou nesse momento e bradou.

– Podem dormir! – disse mal-humorado – Eu fico de vigia.

– Cuidado com a elfa – sussurrou o draconato para o anão.

– Eu não confio em elfos, não dou trela para o que eles falam – responde Flunk com um tom de irritação na voz.

Depois disso voltamos a dormir. Fizemos Goiki se deitar longe da elfa. Ele se aproximou de Ryu e disse que talvez ele possa ajudá-la, pois viu muitas marcas de batalha, de sofrimento e, por ser uma elfa, talvez não teria suportado e tenha se tornado um ser rancoroso, revoltado com os deuses. Ryu agradeceu pela informação e seguiu em direção a elfa para tentar amenizar a dor da alma que é tão difícil de cicatrizar.

– Entendo sua dor.

– Dispenso sua pregação padre – retrucou a elfa.

– Não me encare como um inimigo, apenas como um padre que se preocupa com o bem comum. É meu dever ajudar as almas que sofrem, minhas palavras são apenas sementes, faça o que quiser com elas, jogue-as fora se assim preferir, mas não posso ver sua dor e não tentar amenizá-la.

A elfa deu as costas para o clérigo.

– Muito bem. Apenas você sabe pelo que passou, pelo o que sofreu, foi um tempo difícil que passaste nesse claustro de medo e opressão. Entretanto, as rosas mais belas e admiradas não são aquelas que nascem junto ao solo, mas aquelas que nascem em montanhas elevadas, sujeitas a tempestades e temperaturas congelantes. Um druida certa vez me disse que uma águia não consegue se desenvolver em determinada época de sua vida se não quebrar seu bico em uma rocha para que nasça um novo. Há muita beleza em você senhorita. Uma beleza que vai além da aparência, além do óbvio. Os deuses possuem muitos planos que não entendemos, mas que contribuem para nosso crescimento, para nossa maturidade. Revoltar-se contra os deuses não ajudará a você mesma.

Tente pensar em como isso a tornou mais forte, mais segura de si, mais perspicaz. – continuou o clérigo em sua pregação – Tenho certeza que você não pretendia morrer para o machado do meu amigo Goiki, você soube ler a personalidade dele e sabia que ele não seria capaz de fazê-lo. Poucos sentem tamanha segurança em enfrentar um draconato bárbaro desta forma. Meu papel é acreditar no melhor das pessoas, com você não será diferente. Independente de sua crença, acredito fervorosamente que há muito de honra e bondade em você. Espero que um dia as redescubra. Que o sol a abençoe.


Após o monólogo, o clérigo retornou ao local onde descansara, certo de que cumpriu seu papel enquanto orientador de almas que sofrem.  Ele não pode ver, ninguém pode enxergar na verdade. Mas da face da elfa, uma pequena lágrima correu pelo seu rosto, a qual é rapidamente congelada pelo frio.

 


No dia seguinte, acordamos com uma paz estranha na gruta. Prestando mais atenção vimos que Flunk estava desacordado. De imediato apalpei meu cinto e percebi que minha adaga não estava mais comigo.

– Ah… Droga! – amaldiçoei Vecna, mesmo que ele não tivesse nada haver com isso.

Flink se aproximou do primo para verificar sua situação.

– Por que está dormindo Flunk?! – gritou o anão com raiva.

– Ahn? Que? – falou Flunk acordando – Não estava dormindo… descansando os olhos.

– Ah… bom que está vivo – falei aliviado. – Achei que ela havia feito alguma coisa com você. Onde está aquela elfa?

– Eu… eu não sei – disse Flunk confuso – Eu não faço ideia do que aconteceu.

– Vamos, fale logo… – brigou Flink dando um tapa em seu primo – A elfa te desacordou!

– Ela é muito sorrateira… – admitiu Flunk. – Ela me enganou.

– Ah… os prazeres da carne – disseram Jojo e Goiki em uníssono.

– Que isso? – resmungou o anão – Eu estava com fome, e ela me ofereceu uma fruta que parecia muito saborosa. Eu acabei dormindo, mas ela… ela foi…

– Ela te convenceu! – gritou Flink ainda mais – A maldita!

– Ora, me respeite – retrucou Flunk – Nem de elfas eu gosto!

– Eh… – comentou Flink. – Ela podia ter levado todas as armas.

– Não acho que ela fosse capaz de carregar todas sozinha, mas pelo menos ainda tenho minha flauta – disse enquanto segurava o artefato. – Ela claramente não pretendia nos roubar muita coisa, só levou minha adaga por saber usar esse tipo de arma. Agora devemos nos preparar para a viagem, para a sede da Manopla. Que os deuses a abençoem, pois se eu vê-la de novo… pegarei minha adaga de volta.

– Se eu vê-la novamente sentirei pena de sua alma – disse Goiki.

– Se eu vê-la de novo, a verei novamente – brincou Jojo.

– Gostei do guerreiro – disse Flunk. – Ele é muito engraçado. Se o torneio fosse por quem é mais cômico, você com certeza venceria. Mas não se preocupe, ainda vou apostar em você.

Nós saímos da gruta e fomos novamente apresentados ao enorme deserto gelado, havia neve até onde a vista alcançava. Voltamos a tentar seguir a rota que circundava a montanha, afundados até a altura dos joelhos, os anões até seus tórax. A travessia foi lenta, mas por fim conseguimos. Chegando ao outro lado, foi possível ver os restos dos carneiros de montaria que usamos para chegar à montanha.

– Foram devorados por vermes do gelo! – disse Goiki.

Nós continuamos seguindo pelo caminho que usamos para chegar até lá na primeira vez.  Depois de algumas horas no inferno gelado, avistamos o vilarejo afetado pela praga ao longe. Decidimos passar por lá e comunicamos para os três anões nosso próximo passo.

– Epa! Epa! – gritou Flink – Eu não entro lá!

– Então esperem aqui fora, por enquanto – falei tentando soar compreensivo. – Vamos resolver alguns problemas na vila.

– Não se preocupem mais conosco – respondeu Flunk – Nós conseguimos chegar até a Manopla a partir daqui. Já sentimo-nos seguros e iremos agradecer ao rei pelo que fizeram, tenho certeza que serão bem recompensados.

– Se Oghma permitir, iremos para lá em breve – respondi agradecendo.

– Sim – respondeu Flink gargalhando. – E eu vou contar para todo mundo que Flunk foi enganado por uma elfa.

– Ei meu irmão, não faça isso não – resmungou Flunk. – Você lembra daquela vez, não é?

– É… – retrucou Flink. – Vamos embora…

Enquanto os anões se distanciavam em direção à sede da Manopla, nós seguimos rumo ao vilarejo infectado, acabamos por chegar num local totalmente desolado. Fomos em direção a capela e por onde passávamos víamos moradores desacordados.

– Se o clérigo estiver acordado – comentei com Ryu. – Suas suspeitas devem estar certas.

Ao entrarmos na capela não vimos ninguém, porém Jojo percebeu algo estranho. A capela era bem organizada, com cadeiras dispostas em ordem de frente a um altar. Entretanto atrás do altar havia um pouco de neve, o que não fazia muito sentido considerando que não havia neve em nenhum outro lugar, nem janelas próximos ao altar.

– Isso é bastante suspeito – comentou Joseph.

– O que você acha Goiki? – perguntei buscando uma visão diferente.

– Devíamos investigar! – falou Goiki.

– Vamos checar mais de perto – comentou Jojo.

Ao nos aproximamos pudemos percebemos outras coisas. A capela era bem simples, não parecia haver nada especial no púlpito de pedra, muito menos na parede atrás dele, entretanto neve se acumulava no chão no piso entre estes.

– Deve haver alguma passagem oculta nessa parede – conclui enquanto observava a construção de pedra – Goiki, o que acha de quebrar um pouco essa parede?

– Sei que parece meio estranho eu falar isso… – ele hesitou por um momento. – Mas que tal tocar na parede? Eu tenho uma suspeita.

Ele começou a apalpar a parede e depois o chão, esperando sentir algo. Depois de alguns minutos ele simplesmente se ergueu frustrado e disse:

– Acho que vou ter que demolir alguma coisa! – falou já sacando o machado.

Antes de Goiki fazer algo, eu mesmo tentei encontrar alguma brecha na parede. Embora parecesse sólida, senti uma pequena brisa entre um tijolo e outro.

– Goik, parece haver uma falha aqui nessa parte – disse apontando o local. – Seria bom se você… bem, fizesse o que faz toda vez que encontramos uma porta nessa área.

No momento que nos afastamos e Goiki ergueu o machado para golpear a parede, Ryu o interrompeu.

– Pare! – gritou o clérigo assustado – Meu cetro sinaliza perigo!

– Vamos homem, quebre a parede – insisti para Goiki.

– Também senti alguma coisa – falou o bárbaro se afastando – Tem uma sensação ruim saindo da parede.

Vendo que de nada iria adiantar abrir a passagem à força, peguei minha flauta e comecei a tocar uma melodia. As energias arcanas da minha música tomaram uma forma física de notas de partitura e começaram uma dança lenta ao meu redor enquanto eram atraídas por auras mágicas. Depois de alguns segundos, as notas começaram a flutuar até o altar da catedral, entrando em contato com o mesmo e fazendo-o brilhar. A aura que criei parecia estar mais concentrada em uma pequena estátua de Moradin, o deus dos anões. Jojo curioso tentou pegar a estátua, mas estava presa e ao tentar puxá-la ele a moveu para o lado, num movimento de alavanca. No mesmo instante a parede atrás do altar se abriu, revelando uma passagem secreta.

– Ainda bem que não quebramos – disse Ryu apontando para as paredes do túnel que se abriu. – Teria sido trucidado por uma boa quantidade de flechas Goiki.

De fato, pois ao analisarmos a passagem vimos um mecanismo encravado na rocha que tinha diversas flechas preparadas para serem disparadas.

– Isso seria uma coisa ruim – mencionou casualmente o bárbaro.

– Acredito que todos nós sabemos o que fazer agora, não é mesmo? – perguntei para meus companheiros.

– Sim – disseram todos em uníssono.

O bárbaro tomou a frente, seguido por Jojo, eu e Ryu. Descemo uma escadaria em espiral, totalmente feita de pedra até que Goiki parou em determinado momento, barrando nossa passagem.

– Parem! – disse resoluto.

– O que foi? – perguntou Joseph – Que que foi? Que que há?

– Nada – falou ele olhando ao redor.

Todos começamos a procurar a origem dos maus pressentimentos do draconato, mas parecia ter sido coisa de sua cabeça. Não havia motivo para nos ter feito parar, aparentemente. Goiki pegou uma das tochas do caminho e a jogou escada abaixo. Ryu fez uma prece e fez um pequeno tremor no chão, tentando dissipar algum efeito mágico. Como novamente nada aconteceu, o bárbaro julgou ser seguro continuar. Ele desceu com movimentos lentos, um degrau por vez e nada aconteceu.

Joseph seguiu o exemplo de Goiki e continuou o caminho calmamente. Mais a frente, entretanto, algo diferente aconteceu quando ele desceu os degraus. Um redemoinho de vento e areia circundou o guerreiro enquanto símbolos arcanos brilhavam no chão e nas paredes. Jojo reagiu rápido e saiu antes que a areia entrasse em seus pulmões ou invadisse sua pele.

Eu pensei que Jojo já havia “descarregado” a maldição que estava armazenada lá, mas estava enganado. Quando eu saltei o degrau, tentando evitar a ativação dos símbolos arcanos o mesmo redemoinho me circundou. Não consegui resistir a areia e respirei um pouco dela, além disso, eu podia sentir grãos entrando em contato com meus poros e entrando em minha pele. Me senti fraco, pude sentir que a mesma maldição que aflingia Goiki também caíra sobre mim.

Ryu, vendo que eu e Jojo ativamos a armadilha mágica, pôs-se a orar para Lathander. Depois de alguns segundos de preces ele estendeu a mão, que brilhava com uma energia radiante, para o degrau a sua frente e o tocou. Assim que sua pele entrou em contato com o degrau, os símbolos arcanos apareceram no chão e nas paredes, mas devido à conjuração do clérigo, começaram a se dissolver, tornando-se pó e juntando-se a areia dos degraus. Assim que todos os símbolos se desfizeram a areia se personificou no formato de uma múmia que parecia tentar atacar Ryu, mas ela apenas abriu a boca em um grito mudo enquanto era levada por  uma brisa gélida.

Continuamos descendo a escadaria, por fim chegando a um caminho. Na verdade se tratava de uma ponte com aproximadamente 40 metros, era fina. No lado oposto havia outra passagem e nos lados da ponte havia um profundo abismo. Eu olhei pra cima e vi diversas estalactites, confirmando as suspeitas de que estávamos bem fundo no subsolo. A ponte era feita de corda e madeira, parecia frágil.

Como eu era o mais leve, decidi ir à frente. Pedi que os demais esperassem eu chegar ao outro lado, evitando que a ponte se partisse. Quando já tinha percorrido cerca de um terço da ponte, escutei um bater de asas vindas do fundo do abismo. Rapidamente levei minha flauta até minha boca e me preparei para entoar uma melodia assim que algum inimigo entrasse na minha linha de visão. Depois de alguns instantes surgiu um Ramorhez Alado. Parecido com o verme que enfrentamos no dia anterior, mas com asas de morcego horrendas nos flancos.

Eu comecei a tocar minha flauta conjurando uma poderosa magia de ilusão, mas a criatura sequer pareceu afetada pela melodia e continuou voando. Por sorte Goiki reagiu com rapidez e correndo para o meu lado encheu sua garganta de chamas e cuspiu na criatura. Fazia tempo que não o via usar aquela técnica, suas chamas alaranjadas iluminavam suas escamas. A criatura se esquivou e as chamas o pegaram de leve apenas.

Ryu percebeu a oportunidade e então, juntando suas mãos, começou a sussurrar preces, seu corpo foi circulado por eletricidade e, enquanto empunhava seu símbolo sagrado, gritou:

– Que Lathander mande essa criatura de volta para os nove infernos!!!!

 

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