Em busca de ser um herói – O homem comum
A taverna estava calma para aquela hora do dia, ainda mais após a confusão que havia acontecido logo cedo com os baderneiros na praça principal. O que, sem dúvida, deve ter sido muito melhor de lidar do que teria sido a ronda noturna contra o ataque de um pequeno grupo de orks nos portões ao sul da cidade.
Os últimos dias de inverno estavam sendo muito tensos para Rordan, que estava contando as luas para a terra finalmente amolecer e poder sair da guarda da cidade e voltar para o campo. Plantar e colher, dias de paz. Era tudo que queria.
Aprendera a usar a espada com o Capitão Berdamont Rose Castle, um herói de armadura brilhante e capa vermelha. Berdamont era um homem negro e forte, com um sorriso curto e olhos tristes. Ganhara aquele ducado após salvar o reinado de algum grande problema a 15 anos atrás e decidiu morar ali. Pelo menos eram o que diziam as pessoas que viviam na cidade da Colina Azul, Rordan não se importava muito com quem era o regente antes ou qual seria depois, por quase toda sua vida Lorde Castle era quem mandava e isso bastava.
A vida no campo era simples, os cavalos mansos de cuidar e os dias passavam rápido. No entanto, durante o inverno, com todos sendo obrigados a ficarem para dentro das muralhas da cidade, não havia como não se incomodar. Berdamont estava em todos os lugares, na casa dos guardas incomodando o carteado da madrugada, nas muralhas impedido a competição de mijo à distância, ou em qualquer rua da cidade verificando se as patrulhas estão seguindo os trajetos combinados. Cada dia era uma tortura, lentos e cansativos. Não havia como dar umas escapadelas para os bordéis ou tavernas, nem trocar algumas ideias com os vizinhos distantes, ou se planejar para os dias quentes.
Todo dia tinha que responder perguntas de inspeção constantemente, estar nos lugares certos e horas certas. Além de haver uma hierarquia agora. Algumas pessoas começaram a se tornar Guardar Oficiais da cidade, com uma armadura e capa diferente, e podiam até usar cavalos! E eram pagos para isso. Os dias de guarda voluntária de inverno estava se tornando um preparativo para uma guerra ou algo assim, como se Colina Azul fosse algum tipo de lugar que entra em guerras, e não um campo bonito com rios e cachoeiras que rei nenhum sabia existir.
Rordan tentou engolir toda a frustração em um longo gole de cerveja mas não conseguiu, o arroto trouxe um pouco de alívio mas sabia era passageiro. Logo Berdamont apareceria na taverna chamando os sentinelas do descano para patrulhar as muralhas. O pior de tudo é que cada noite parecia estar mais perigosa, e as badernas estavam começando a acontecer a luz do dia também.
Parece que todos os vilarejos estavam vindo para Colina Azul, a cidade estava mais cheia, os templos estavam sendo usados como dormitórios. Não havia mais quartos nas tavernas e estalagens. Até os animais estavam ficando na rua para sobrar mais espaço para as pessoas. As muralhas ao redor estavam cheias de acampamentos rudimentares e pessoas pedindo dinheiro. Além do frio trazido pelos últimos ventos do norte. O clima tenso era tudo que um guarda voluntário não queria sentir.
– Mais uma Rordan? – A taverneira perguntou com seu sorriso largo.
– Sei não, Dara. O Capitão logo vai aparecer por aqui, não quero que ele reclame do meu cheiro de novo.
– Talvez uma cebola em conserva então? – A jovem anã sorri mordendo a língua.
– Isso não me ajudaria muito. – Rordan sorri também.
Dara era uma anã jovem e bela, com ombros largos, cabelos vermelhos amarrados em um rabo de cavalo, a pele lisa quase cinza naquele corpo pequeno davam um aspecto fofo e charmoso para a taverneira. As mãos e braços, junto dos quadris largos e fortes eram as grandes características da sua raça, mas não parecia uma anã calejada ou algo assim, talvez ela jamais tenha visto uma forja ou uma caverna montanhosa na vida.
– Esta com uma cara mais chateada do que o de costume, mas esta resmungando menos hoje. Aconteceu algo com o herói da praça?
– Não me chame assim. – Rordan ficou corando e se escondo no meio de seus ombros. – Tive sorte.
– Ninguém tem sorte com uma espada, pelo menos era o que meu avô sempre dizia.
– Bom, então os outros tiveram azar. – Berdamont, com sua voz grossa, fala das costas do fazendeiro. – Vejo que está aproveitando sua folga do dia.
Berdamont estava com sua armadura branca com o brasão do leão gravado em ouro do lado esquerdo do peito, a capa vermelha estava pesada nos ombros por conta do barro na barra, barro que também estava em suas botas. Sua espada de coronha de ouro e pedras preciosas estavam firme na bainha.
– Desculpe pelo seu chão Lady Dara. – o herói senta ao lado de Rordan ao balcão. – Estive desvendando alguns tuneis debaixo da cidade. Por sorte só achei ratos, mas sinto que pode haver algo abaixo dessa colina.
– Espero que nada muito sério capitão. – A taverneira termina de encher com cerveja uma caneca de madeira e coloca na frente do homem armadurado.
– Espero que não. – Ele torna um longo gole garganta a dentro. – Levarei alguns dos meus melhores homens comigo para explorar alguns caminhos. – Ele olha para Rordan ao seu lado, que estava quase encolhido sobre a cadeira. – O que me diz jovem herói? Rastejar por alguns tuneis! Eu fazia muito disso nos velhos tempos, podemos até encontrar algum baú de tesouros, ou itens melhores!
– Obrigado Senhor. – Rordan fala meio baixo, quase para si. Sempre se sentia intimidado com a presença do Lorde Rose Castle, a voz, o fato de estar sempre de armadura completa. Tudo nele parecia pronto para uma guerra da qual Rordan esperava estar muito longe. – Mas tenho que fazer a ronda da muralha hoje a noite.
– Não seja tímido, Rordan! Explorar tuneis é muito melhor que ficar parado em uma guarita. – Berdamont termina a caneca de cerveja no segundo gole e bate a caneca no balcão – está decidido, você irá junto nessa expedição. Dando um tapa forte nas costas de Rordan o homem negro se levanta, era visível um sorriso contagiante no seu rosto, ele arruma a armadura, alinhando o cinto da espada e a capa.
– Lady Dara, irei usar seu banheiro, tudo bem? Preciso passar uma água nas botas e capa.
– Claro Lorde Castle. Sempre deixo uma tina d’água e panos lá. Fique à vontade que trocarei a água depois.
– Obrigado.
O homem se retira para os fundos da taverna, fazendo o barulho de metal e couro habitual, Dara e Rordan ficam em silêncio até ele sumir. Dara com o rosto apoiado na mão, suspira leve. Rordan com a cabeça apoiada nos braços, quase que chorando, suspira pesado.
– Difícil ver um sorriso no rosto dele. – Dara comenta.
– Só me faltava essa. – Rordan fala quase ao mesmo tempo.
Horas depois lá estava ele, escorrendo por uma corda por um poço que nem sabia existir próximo ao castelo. Rordan, Berdamont e outros três capitães da guarda. Os tuneis tinham um cheiro forte de umidade e terra. Algumas vezes se tinha que andar abaixado para se chegar a outros lugares. Era difícil entender que tipo de criatura faria buracos na terra como esse, mais assustador era pensar no tamanho que elas deveriam ter. Toupeiras gigantes talvez? Rordan não queria pensar nisso e constantemente consultava se sua espada ainda estava na sua cintura.
A frente estava o Lorde, com sua espada de luz empunho guiando o caminho, os cinco homens se debatiam para se manter alinhados nos tuneis estreitos até que chegaram a uma galeria maior, com rudimentares suportes para o teto nas paredes ao lado.
– Quem será que fez isso? – Perguntou um dos capitães.
– É isso que quero descobrir. – Falou Berdamont. – Explorei alguns desses caminhos, mas pelo que entendi esses dois são mais bem trabalhados que os outros, é aqui que devemos nos separar. Eu e mais um iremos por esse túnel, Rordan e outros dois irão por esse outro. Espero que, se eu não estiver enganado, esses dois acabem se encontrando mais a frente.
E assim foram. A espada de luz desapareceu por um dos caminhos enquanto os outros acenderam uma tocha para ir pelo outro. Rordan não ficou a frente, preferiu ficar na segurança de cuidar da retaguarda, ainda mais sem Berdamont. Era estranho que antes os tuneis pareciam seguros e, agora, toda sombra era ameaçadora.
Após algum tempo naquela escuridão um dos homens fala “Acho que ouvi algo a frente!” porém, assim que pararam, um som agudo acertou aquele que estava com a tocha, que caiu com um gemido. O outro gritou “Estamos sendo atacados!” E outro som agudo ecoou pele túnel, mas sem efeito. No desespero e no medo, o outro capitão tentou correr, fugindo para cima de Rordan, o outro homem ainda gemia pedindo ajuda, então tudo se tornou lento.
Rordan conseguiu se esquivar, deixando o outro homem correr, se aproximou da tocha no chão, pegou-a e jogou para frente. Ela voou primeiro revelando pequenos reflexos de luz no metal e olhos de criaturas pequenas, depois caiu no chão revelando três goblins, que se assustaram um pouco com a luz. Aproveitando a oportunidade, o jovem fazendeiro correu, sacando a espada. As flechas voaram, uma acertou o chão e a outro o teto sobre ele. Conseguiu avançar com velocidade, mas ainda houve tempo para os goblins atirarem mais duas flechas, a terceira criatura já estava com a espada nas pequenas mãos, esperando em posição de combate. Uma das flechas passou por sobre o ombro, já a outra raspou na lateral sua coxa, a dor foi intensa mas não havia como parar agora, estava perto de mais.
O primeiro goblin com a espada pulou em um ataque que acetou com força a armadura de couro batido de Rordan, fazendo doer como um soco forte em sua clavícula, mas ele aproveitou para acertar o goblin nas costelas. O golpe foi certeiro, mas não o suficiente para matar a criatura.
Uma das outras criaturas começou a trocar o arco por uma espada, e a outra pegou distancia do combate. As trocas de golpes foram intensas. Rordan pulava para trás, tentava posicionar os ombros e os braços armadurados para receber os golpes, enquanto desferia estocadas e cortes no ar, no desespero de, pelo menos, matar um deles e dar a chance dos amigos chegarem, mas não chegavam.
Quando ele finalmente conseguiu furar um dos goblins, matando a criatura de vez, ele recebeu uma flechada no peito, que o fez cair. A dor foi intensa e desnorteante. O outro goblin, que ainda estava vivo, pulou sobre ele com a espada. Estava sangrando pelos golpes que levara de Rordan, e era visível a sede de vingança em seus olhos. Estava tudo acabado.
No entanto, um flash de luz surgiu tirando a atenção das criaturas. A criatura sobre seu peito antes de conseguir olhar para trás teve uma espada de luz furando suas costas e atravessando seu peito. Rordan viu a língua da espada de luz encontrar o caminho para fora do goblin. A batalha estava acabada.
– Lutou bem Rordan.
– Eu quase morri, senhor, se não fosse você eu…
– Todos teríamos morrido se não fosse você, Rordan. – O capitão que havia levado a flechada falou lá do fundo.
– É sempre bom ter heróis. – Berdamonte Rose Castle falou, ajudando Rordan a se levantar. – O mundo precisa de mais gente como você.
– Senhor, acha de devemos voltar? – fala o capitão que estava com Berdamont.
– Aqueles que não acharem seguro ou estiverem feridos de mais para seguir podem voltar. Não obrigarei ninguém a se arriscar aqui. – Lorde Castle se vira em direção ao túnel. – Essas criaturas estão perto de mais da cidade, preciso descobrir oque esta acontecendo.
Berdamont segue o túnel sozinho, os capitães começam a ajudar o amigo ferido no caminho de volta. Rordan tira a flecha enfiada no peito da armadura.
– Só me faltava essa agora. – E segue a luz da espada.