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CNa#004: CdN-E02 – A Confissão | Rodrigo Watzl

RPG Next apresenta… Contos Narrados #004 – Contos da Noite 02 – A Confissão

 

   ATENÇÃO: Esse podcast é recomendado para maiores de 14 anos.

 

 

A Confissão

 

Exceto pelo bartender, o bar estava vazio. Um observador atento poderia pensar ser isso algo incomum, verdadeiramente extraordinário para um tal local àquela hora. Luzes acesas, mesas e cadeiras vazias, um ventilador de teto trabalhando preguiçosamente para ninguém naquele ambiente de paredes azulejadas e sujas.

O bartender enxugava um copo, quando o homem entrou. A roupa envelhecida e o odor característico daquele vulto de porte atarracado denunciava pouco asseio. Caminhando a passos lentos até o balcão, deixou-se desabar na cadeira. Parecia exausto.

− O que vai querer, amigo?

− A sua bebida mais forte.

O bartender apenas o fitou em silêncio. Dando-lhe as costas, pegou uma garrafa de um uísque ordinário e serviu um duplo.

− Obrigado.

− O que o traz aqui?

− Minhas pernas. Mas, desconfio que não seja esta a resposta que você espera ouvir.

− De fato, não, amigo.

− O filho da puta… Por que o filho da puta teve de fazer aquilo?

− Sejam lá quais tenham sido os motivos, você não me respondeu.

− Eu havia dito a ele… Tinha de ser meio a meio! Mas, não. Tinha que querer dar uma de esperto, tinha que tentar me passar para trás.

− E você não levou isso numa boa.

− Claro que não. Quando dois caras resolvem dar um desfalque milionário em um banco, presumem-se que certas regras não escritas precisem ser aceitas.

− Na minha opinião, amigo, isso vale para tudo.

− Verdade. Só que ele quis tirar vantagem. – e, depositando o copo com violência no balcão, derrubou um pouco do uísque.

O bartender pegou um pano encardido e pôs-se a secar a madeira envelhecida.

− Por que vocês deram um desfalque?

− Nós trabalhávamos no setor de análise de crédito do banco. Todos os dias, assistíamos, calados, a gerentes concederem empréstimos com letras miúdas e cláusulas leoninas. Muita gente perdeu tudo por causa desses contratos. Nós mesmos fizemos isso algumas vezes. Até que, um dia, resolvemos tirar vantagem.

− Quando você começou a contar, tive a impressão de que pudesse ter havido alguma motivação altruísta nessa história.

− Até havia. No início, talvez. Mas, para falar a verdade, não. “Todo vício tende a se justificar”, já disse alguém.

− Sinceridade… Conta a seu favor.

− E nós concluímos que os donos do banco também precisavam aprender uma lição.

− Compreendo. Então, vocês fizeram alguma manobra financeira ou contábil ilegal, provavelmente lavaram dinheiro e o desviaram para seus bolsos.

− O amigo bartender já trabalhou em banco?

− Não. Mas, conheço muitas histórias… e as coleciono.

− “Colecionar história”, essa eu nunca tinha ouvido. Mas, tudo bem. O caso é que demos o desfalque. Para ser mais exato, foram muitos golpes. Pequenos, no início. “Ensaios”. Não queríamos despertar suspeitas. Quando já tínhamos alguma segurança de que não seríamos descobertos e de que a culpa cairia nas costas de algum bode expiatório qualquer, demos o último bote.

− E deu certo?

− Claro… Foi quando o filho da puta resolveu me passar para trás.

− O que ele fez?

− Era ele o responsável pela distribuição do “resultado”. Porque só ele tinha acesso à chave criptográfica que abria o cofre virtual do banco. Ele não me deu a minha parte.

− Você não pensou que isso poderia acontecer desde o início?

− Não. Éramos amigos há muito tempo. Havíamos entrado juntos no banco. Eu não tinha motivos para desconfiar.

− Entendo.

− Ei, bota mais um pouco desse uísque no copo.

O bartender cerimoniosamente o atendeu.

− “Pedi e obtereis”. O que você fez quando soube que foi passado para trás?

O homem sacou uma carteira de cigarros e acendeu um. Após uma demorada tragada, que, ele pensava, pretendia aquecer-lhe os pulmões, respondeu:

− Você sabe o que acontece quando se fura um olho?

O bartender não respondeu. A luz forte que vinha do teto, diretamente acima de sua cabeça, dava àquele homem meio calvo e de feições coriáceas um ar espectral ao ressaltar-lhe as olheiras. Do lado de fora, começou a chover.

− É o tipo de sujeito que não se assusta fácil, hein? Gosto disso. Qual o seu nome, amigo?

− Eu coleciono histórias, senhor. – e ignorou a pergunta.

O outro bebeu mais um gole.

− Discreto… Está bem. Então, já que eu contei a minha, acho justo perguntar: o que faz com elas?

− Eu julgo.

− As histórias?

− E os autores.

− Essa é boa… Você é Deus, por acaso?

O bartender riu.

− É que você não se lembra. Mas, naquela noite, houve outros eventos. Em um acesso de cólera, você esfaqueou brutalmente o seu amigo, perfurando-lhe o olho direito e atingindo seu cérebro. Ele não tinha, na verdade, nenhuma chance. Mesmo que fosse o caso, você o largou naquela sala imunda.

O homem se assustou.

− Só que você também não aguentou. Ficou horrorizado com o que fez, o que, pensando bem, deveria contar a seu favor. Mas não faço as regras… E é por isso que está aqui.

Sua fisionomia ficou lívida e ele engoliu em seco.

− Eu sei, por essa, você não esperava. Ninguém, espera… “ninguém sabe nem o dia e nem a hora”.

Ele arregalou os olhos.

− Aproveite o seu uísque, pois é o último. Uma cortesia do inferno.

 

Com a participação de:
  • Vinicius Watzl, vozes e edição;
  • Fernando Moura, voz;

 

Uma produção RPG Next.

 

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