Algumas impressões sobre o Dungeons & Dragons Quinta Edição (e como as curas funcionam nela)

A quinta edição do Dungeons & Dragons foi criada sob muita expectativa e tinha uma missão difícil pela frente.

 

Historicamente, o lançamento da quarta edição em 2008 trouxe muita controvérsia, ao se afastar de muitas das propostas tradicionais do D&D e adotar mudanças de filosofia que, se tem seus fãs, acabaram por possibilitar a adoção de um novo sistema da Paizo, o Pathfinder, como sucessor natural do D&D 3.5.  Com certeza não era o resultado que a Wizards esperava, e por isso em 2012 foi anunciado o desenvolvimento do D&D Next, que tentava trazer de volta os fãs de edições anteriores sem alienar os jogadores de DMs de D&D 4, ou os de Pathfinder.

No segundo semestre de 2014 o resultado foi finalmente publicado, após um prolongado período de design e playtesting.

Recentemente comecei a jogar a Quinta Edição (como o D&D Next eventualmente veio a ser conhecido) nos testes online do RPG Next, e mais recentemente ainda adquiri o Player’s Handbook para formar uma melhor impressão do sistema.

Tenho a satisfação de dizer que ela é no fim bastante favorável. A Wizards of the Coast fez um bom trabalho em pegar o melhor das edições anteriores sem sacrificar os atrativos do sistema. A mecânica é mais fluida e focada do que eu esperava jamais encontrar em qualquer edição de Dungeons & Dragons, e ainda assim é imediatamente reconhecível, familiar, confortável. Muitos dos vícios mais constrangedores de outras edições foram resolvidos elegantemente, e esta é muito possivelmente a mais legível das edições já publicadas.

 

Para quem domina o idioma inglês, é possível se familiarizar com o sistema legalmente e gratuitamente, pois um subconjunto perfeitamente funcional das regras é disponibilizado pela própria Wizards em seu sítio da Internet, em http://dnd.wizards.com/articles/features/basicrules .  Não me arrependo de ter comprado o Player’s Handbook, porém; além de informar mais classes e raças de personagens, é um livro bastante útil para explicar confortavelmente as regras, e tem um valor de produção bastante bom.  Uma semana folheando-o bastou para me dar uma noção muito mais sólida das opções de criação de personagem e, principalmente, de que escolhas são convenientes na progressão dos personagens, principalmente em termos de “feats” (prodígios, em uma tradução aproximada) e feitiços.

Sobre os feitiços, cabe uma tangente sobre as versões anteriores.  Até a versão 3.5 do D&D, era basicamente esperado que administrar danos sofridos e aplicação de curas seria uma parte importante do planejamento das aventuras, tanto do ponto de vista dos jogadores quanto dos personagens.  Era bastante raro ter um “party” sem pelo menos um clérigo, simplesmente porque não havia muitas alternativas práticas para garantir a sobrevivência continuada dos personagens.  A especialização das classes era tão extrema que os estereótipos se instalaram rapidamente.  Um clérigo fornece curas para manter a equipe viva, um fighter garante a competência marcial dos primeiros níveis de personagem, um mago começa frágil e quase inútil nesses mesmos primeiros níveis para se tornar uma força decisiva mais tarde.  Não é por acaso que acabaram criando os conceitos de dual-classing e multiclassing, que permitem que um personagem tenha elementos de duas ou mais classes ao mesmo tempo e o desenvolva por um caminho diferente daquele em que começou.

Uma das principais mudanças do D&D 4th foi exatamente essa característica de desbalanceamento “quase intencional”.  Talvez inspirado pelo Earthdawn da FASA, o D&D 4th tornou as várias classes muito mais balanceadas em termos de poder relativo e concedeu poderes de uso diário e efeitos místicos menores para todas as classes.  Também optou por se afastar em certo grau da inspiração vanciana da magia de edições anteriores do D&D, de forma que os spellcasters não corriam mais o risco, tão frequente anteriormente, de simplesmente não ter mais feitiços disponíveis a uma certa altura.  Outra novidade da Quarta Edição foram os healing surges,  situações frequentes nas quais os personagens basicamente se curavam sozinhos.  Pode-se perceber claramente a mudança de expectativa cultural entre as origens do D&D e do AD&D originais na década de 1970, com herança forte dos wargames de miniaturas, e o D&D 4th de 2008 que sabia que teria muita concorrência de videogames – e, de fato, reconhecidamente tinha a intenção (que acabou não se materializando de forma significativa) de ser associado estreitamente a produtos interativos digitais.

Embora o D&D 4th tenha ficado para trás, deixou algumas lições úteis. O D&D 5th se reaproximou das edições anteriores, mas nem por isso abandonou a ideia de personagens que tem alguma capacidade de se curar sozinhos, evitando a tendência a depender de clérigos e reduzi-los a ferramentas para aplicar curas.  Nesta edição isso é feito pelos short rests, períodos de descanso de cerca de uma hora nos quais é possível renovar certos recursos e poderes, principalmente os pontos de vida perdidos.  Outros recursos mais cruciais podem ser renovados (como em edições anteriores) em long rests, que não são muito diferentes de simples períodos de sono diário.  Clérigos ainda podem aplicar curas, e ainda são notavelmente competentes nessa área, mas não há mais tanta pressão para que priorizem esse papel sobre outros que possam desejar representar.  De fato, muitas parties simplesmente não tem clérigos agora.  Bardos, Druidas, Paladinos e Rangers ainda tem graus variados de competência como curandeiros secundários, e com a sede por curas tão diminuída agora podem fazê-lo mais casualmente.

 

Talvez ainda mais importante é o fato de que, por uma regra opcional mais popular, agora um personagem de qualquer classe pode escolher aprender o prodígio (no original, “feat“) de curandeiro (“healer“) e dessa forma adquirir a competência de realizar tantas curas quanto necessárias em períodos fora de luta.  Normalmente esse prodígio pode ser aprendido nas transições para quarto, oitavo, décimo-segundo, décimo-sexto e décimo-nono nívels, como alternativa à habitual melhoria de atributos do personagem.  Com isso, curas mágicas só são realmente necessárias em situações de emergência durante o combate.

Em minha opinião é uma mudança muito bem-vinda, que libera muita energia e atenção para situações de mais valor narrativo, e distribui melhor as responsabilidades de personagens e jogadores.

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